quarta-feira, 20 de abril de 2011

EM DEFESA DE CHICO CESAR


Jaldes Reis de Meneses
(Professor do Departamento de História – UFPB).

A Paraíba tem a vocação das ruínas: se compraz no exercício sado-masoquista de tentar demolir as pessoas que tiveram a ousadia de fazer o caminho da aventura, os que tiveram a coragem de enfiar as roupas na mala, os que pegaram o ita do norte rumo ao êxito, vencendo preconceitos e se afirmando a linguagem universal da arte. Alguns morreram sem ter o reconhecimento em vida, como na letra do samba de Nelson Cavaquinho, a exemplo de Augusto dos Anjos. É triste afirmar, mas praticamente todos os nossos grandes artistas foram ou o são discriminados em vida: foi assim como José Lins do Rego, ainda é assim com Ariano Suassuna – só muito recentemente re conciliado com a Paraíba – e Elba Ramalho. Aparentemente, parece que preferimos vê-los de longe, no pedestal, mas os queremos afastados do convívio cotidiano.

Sequer se trata de acatar, integralmente, na polêmica, as eventuais posições estéticas de Chico Cesar. Contudo, é golpe baixo mentiroso afirmar (li artigos que o comparavam a Torquemada) que ele propôs censura a qualquer forma de manifestação artística: simplesmente, ele chamou à reflexão que o dinheiro público não deveria financiar as chamadas bandas de “forró de plástico”, pois essas já são financiadas pelo mercado e o público adepto lota praças públicas e auditórios privados. No mundo da vida, o mercado não é o único valor, sequer o principal. Trata-se de fazer escolhas, um exercício permanente em qualquer atividade pública, inclusive em cultura: nas festas junina s, o Estado deve privilegiar financiar essas bandas ou os escassos recursos públicos devem financiar artistas e manifestações culturais reconhecidas – inclusive para o sucesso popular da festa –, mas sem valor de mercado.

Para mim, que gosto sem preconceitos beletristas tanto de Bach, Beethoven e Mozart como da pegada rítmica das bandas de axé e das de forró de plástico, faço uma ponderação: rigorosamente, essas bandas são uma contrapartida rústica local de um fenômeno da evolução da música no qual os meios técnicos superam o artesanato individual do artista moderno. Tal fato foi anotado, por exemplo, pelo compositor Gilberto Gil na letra de uma recente canção tão pouco conhecida como genial – “Máquina de música”, na qual a memória eletrônica possui a capacidade de armazenar todas as células sonoras, rítmicas e melódicas do passado e do presente, inteiramente à disposição dos engenheiros de som e dos empresários. Trata-se, portanto, mais de selecionar do que propriamente criar, ou talvez, de criar através da seleção.

No caso das bandas de forró de plástico, a seleção das unidades rítmicas do passado da música nordestina, acoplado a informações do brega e da música caribenha (duas influências evidentes), acompanha também a polêmica dos valores, em virtude das letras em geral serem discriminatórias às mulheres e cultuarem sem dúvida uma concepção machista de mundo. Se jamais censurar, por outro lado não vejo motivos plausíveis de o Estado se empenhar a difundir valores que mais servem ao aprisionamento do que à liberdade das consciências.

Caso o debate fosse travado de maneira serena, talvez essas questões viessem à luz. Mas em vez do diálogo, procura-se antes enxovalhar reputações: alguns, na Paraíba, têm a vocação das ruínas.

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