terça-feira, 2 de junho de 2009

LEMBRANÇAS DO PADRE HENRIQUE





Fátima Vieira

Eu estudava no Colégio Municipal do Recife e cursava o primeiro ano do curso Científico, que hoje corresponde ao segundo grau. O Padre Antonio Henrique Pereira Neto, Padre Henrique, como era conhecido, nascido no Recife, no dia 28 de outubro de 1940, filho de José Henrique Pereira da Silva Neto e Isaíras Pereira da Silva, sociólogo e professor, desenvolvia atividades junto ao então Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara e era uma espécie de capelão do Colégio Municipal, já que celebrava as nossas Páscoas e outras comemorações religiosas. Acredito que fazia isso porque dois dos seus irmãos, Terezinha e Alexandre, estudavam no colégio e na minha turma. Ele era uma criatura de uma doçura sem par.

Padre Henrique fazia um trabalho muito bom com adolescentes, acompanhando-os e orientando-os, trabalho esse que não agradava muito aos poderosos de plantão porque conscientizava os jovens da verdadeira situação do país na época braba da ditadura. Ele também ensinou no Juvenato Dom Vital, na Cúria Metropolitana do Recife, nos colégios Marista, Nóbrega e Vera Cruz, na Escola Técnica do Derby e na Faculdade de Ciências Sociais.

Na madrugada do dia 27 de maio de 1969, o corpo do Padre Henrique foi encontrado no campus da Cidade Universitária, no Recife, com marcas de tortura.

Na tarde desse dia fui ao Colégio, mas ao chegar encontrei tudo fechado, com um aviso da morte do Padre Henrique pregado no portão. Vários colegas já se encontravam na frente do Colégio, todos atônitos e sem saber a explicação da morte. No aviso também estava dito que o corpo seria velado na Igreja do Espinheiro e nós fomos para lá.

Quando chegamos à Igreja já havia um grande número de pessoas, a maioria jovens, como nós, estudantes universitários e secundários e uma fila enorme para ver o corpo. Foi um choque! Aquele rosto amigo e tranqüilo, continuava tranqüilo, mas estava arroxeado e sua testa mostrava um pedaço grande de pele arrancada. Choramos com a visão...

E foi celebrada uma missa de corpo presente e o tempo todo cantávamos a Oração de São Francisco, cujo trecho “E é morrendo que se vive para a vida eterna” parecia a coroação do que foi a vida do Padre Henrique, igualzinha à Oração de São Francisco...

Após algumas horas, saiu o cortejo, com o corpo à frente, rumo ao Cemitério da Várzea, distante dali uns 12 a 15km. Pelo caminho os universitários faziam comícios-relâmpago e nós, os secundaristas, apoiávamos e acompanhávamos.

Quando descemos a Ponte da Torre, demos de cara com um batalhão de choque da Polícia Militar. Os soldados estavam armados com cassetetes e escudos e partiram para cima da multidão, a fim de intimidar a todos. Foi uma correria geral. Muitas pessoas, no entanto, permaneceram onde estavam e até se ajoelharam, num gesto que para mim queria dizer: “batam em nós, desgraçados, pessoas pacíficas e ajoelhadas!”. Os soldados quebraram cartazes e bateram nos que se rebelaram.

Eu, que era grandona por ser alta e gordinha, peguei minhas duas amigas e colegas, Cristina e Kalua pela mão e saímos correndo a procura de abrigo. Encontramos numa farmácia, a uns 300m da ponte, na esquina da Rua Conde de Irajá com José Bonifácio, cujo dono já estava fechando e, por pouco, não nos deixa entrar. Ficamos ali, quietas e tremendo, até as coisas acalmarem e podermos ir embora para casa. Eu era muito jovem (tinha 16 anos) e não tive a coragem que teria anos depois, de continuar a marcha até o Cemitério da Várzea e enfrentar a polícia.

E nem fui para casa, fui para o prédio da Receita Federal, no Bairro do Recife, onde meu pai tinha uma cantina e estava lá com minha mãe e meu irmão. Eles nem imaginavam onde eu andava. Ao passar em frente ao quartel do Derby, vi mais carros do batalhão de choque, cheios de soldados, certamente prontos para reprimir os participantes do cortejo fúnebre, pacífico e ordeiro, de um mártir assassinado por alguém das suas próprias hostes, o Major José Ferreira dos Anjos, como se soube depois.

Ainda hoje fecho os olhos e vejo, como se fosse ontem, o rosto do Padre Henrique no caixão, tranqüilo, como só os justos podem ser e faltando um pedaço da testa...

Maio/2009

EU E A REDE FEMININA DE COMBATE AO CÂNCER



Fátima Vieira

Depois que voltei para morar em João Pessoa, um dia precisei ir ao ambulatório do Hospital Napoleão Laureano, referência no tratamento de câncer na Paraíba, acompanhando uma pessoa amiga e lá vi umas senhoras vestidas com jalecos cor-de-rosa, com um monograma bordado do lado esquerdo do peito, bem em cima do coração, onde se lia REDE FEMININA DE COMBATE AO CÂNCER, JOÃO PESSOA/PB, VOLUNTÁRIA, prestando assistência aos pacientes e distribuindo lanches. No lado esquerdo do ambulatório vi uns senhores com jalecos azuis, com o mesmo monograma, tocando músicas para alegrar os pacientes que esperavam para ser atendidos. Essas senhoras e esses senhores exerciam as suas funções com muito boa vontade e respeito aos pacientes. Naquele instante decidi que também queria ser um deles.

Procurei saber como poderia me engajar e fui orientada a procurar a Casa de Apoio da Rede, que fica pertinho da minha casa, para me inscrever. Fiz isso em maio e em agosto/2008 comecei a trabalhar como voluntária da Rede Feminina de Combate ao Câncer na Paraíba.

O meu trabalho, às terças-feiras pela manhã, consiste em conversar com os pacientes dos SUS, que estão no Hospital Napoleão Laureano para fazerem quimioterapia. Eles passam, no mínimo, hora e meia ligados a soros e drogas pesadas que servirão para melhorar a sua condição de saúde e à tentativa de debelar o mal que os acomete. Muitos chegam a passar seis horas, sentados ou deitados, até terminarem a sua cota do dia. Alguns vão lá por dois, três dias seguidos, conforme seja o tratamento, para cumprir o mesmo ritual.

A maioria vem do interior e os de mais longe levam de seis a oito horas de viagem para chegar ao hospital. Saem de suas cidades pela madrugada, em ambulâncias das prefeituras, carros de aluguel ou de ônibus, desconfortavelmente acomodados, às vezes sem se alimentar, para não perder a hora. Nos arredores do hospital existem casas de apoio de prefeituras, sindicatos e até da Rede Feminina (atualmente fechada para reforma), que abrigam os que necessitam ficar por mais de um dia, fornecendo dormida e alimentação (algumas só dormida) a esses sofridos e necessitados seres humanos.

Conversar com essas pessoas é muito bom. Muitas vezes acredito que sou muito mais beneficiada que eles nessa troca. As suas experiências de vida, seus problemas, alegrias e dificuldades, nos são relatados de uma maneira simples, sem reservas, sem medos e sem constrangimentos. E se eu não tiver cuidado passo o tempo todo de papo só com um paciente, quando tenho 16 para atender, num espaço de três a quatro horas.

Um deles, lá do sertão, canta e nos brinda com seus improvisos. Já me contou que fez músicas para a campanha de vários prefeitos da sua cidade. Bebia e fumava muito, mas hoje leva uma vida mais regrada por causa da doença, mas não perdeu a alegria de viver nem a vontade de alegrar as pessoas com seu canto e loas.

Às quartas-feiras, na parte da tarde, também faço um trabalho junto aos familiares dos pacientes que estão na UTI do Laureano. Minha missão é dar um conforto, uma palavra amiga aos parentes que estão vivendo a iminência de perder seu ente querido e essa tarefa não é fácil. Muitos não têm a coragem nem de chegar junto do paciente (meu pai não conseguiu ver minha mãe na UTI) e, muitas vezes, querem que as voluntárias os acompanhem até o leito, como se buscassem uma força que eles não têm naquele instante. Não é fácil para nenhum dos lados...

Saibam que nada disso que faço me torna melhor ou faz com que eu me distinga das outras pessoas, absolutamente. Optei por esse trabalho para ocupar um pouco do meu tempo com quem necessita, já que não posso mais ter um trabalho formal porque meu pai, que está com 87 anos, precisa da minha atenção e não pode ficar muito tempo sozinho. E não me arrependi da escolha que fiz. Estou feliz e tenho certeza que ainda poderei ser útil a essas pessoas por muito tempo.

Se quiser saber mais sobre a Rede Feminina, clique aqui.

PAIXÃO DO MENINO DEUS - A VISÃO DE UMA SIMPLES ESPECTADORA


















Fátima Vieira

A Paixão do Menino Deus, espetáculo encenado ao ar livre, de graça, no centro de João Pessoa, com apoio da Funjope e da Prefeitura de João Pessoa, conta a Paixão de Cristo, contextualizada nos dias atuais, com atores amadores e outros com anos de experiência, dirigidos por um diretor experiente e que também é o autor do texto, Tarcísio Pereira.

É a história de Emanuel*, filho de Mariana e Zé Carpinteiro, um rapaz que tenta resgatar seus companheiros da periferia, das drogas e dos crimes. E seu amor ao próximo e a sua determinação surtem efeitos positivos, mas desgostam os traficantes e os chefes de gangues. E Emanuel é raptado, torturado e assassinado.

A história tem todos os elementos da Paixão de Cristo tradicional, mas todos modernizados (a "ressurreição" de Emanuel acontece num hospital e é feita por médicos) e Jesus Cristo, tal qual como o conhecemos, está presente o tempo todo, contando o seu sofrimento e em diálogos com Emanuel.

Confesso que esperava menos, dentro da minha visão de simples espectadora e pelo pouco tempo que o grupo teve para ensaiar, mas o que vi foi um espetáculo lindo, bem encenado, cheio de recursos tecnológicos, muita luz, muita música, com a Orquestra de Câmara e coral, regidos pelo maestro Eli-Eri Moura, além dos atores que também cantam,o que poderia até classificá-lo como um musical. A coreografia hip hop também tem vez no espetáculo, perfeitamente inserida no contexto dos personagens.

Além da mensagem de doação e amor ao próximo, também vimos um recado ecológico e sobre o exercício de cidadania, com os anjos da peça indo ao palco, sempre que necessário, com um cesto onde se lia a palavra LIXO, apanhar latas e tudo o que era largado lá pelos atores, por exigência da cena.

O público assistiu atento e em silêncio. E o final não poderia ser outro senão o da ascensão de Jesus Cristo aos céus, cena que sempre emociona, em qualquer contexto. Os aplausos do público foram todos merecidos.

---------------------------------------------
* Emanuel, (nome próprio hebraico que, traduzido, significa "Deus conosco"), é um nome profético que se referia à vinda do filho unigênito de Deus à Terra, frequentemente usado para se referir a Jesus Cristo, por este cumprir dezenas de profecias que anunciavam a vinda do Messias no Antigo Testamento, inclusive uma muito conhecida, do profeta Isaías, que dizia: "Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel" (ver Isaías 7:14 e Mateus 1:20-25). Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Emanuel

Abril/2009

MINHA VOLTA PARA JOÃO PESSOA



Fátima Vieira

Amanhã (22/12/2008) faz exatamente um ano que voltei para meu torrão natal, João Pessoa.

Voltei para ter uma melhor qualidade de vida, para ficar perto da minha família, da minha paixão e tenho certeza que foi uma atitude bastante acertada.

Recife foi e será sempre muito querida para mim. Lá consegui as coisas que hoje vim desfrutar aqui: bom emprego e estudo... Também foi lá que fiz grandes amizades, tive grandes paixões, algumas decepções e as piores coisas que poderiam me acontecer: perder minha mãe e meu irmão... Mas tudo isso faz parte da vida e serviram para o meu crescimento.

Voltar para cá, depois de 53 anos fora e 51 em uma mesma cidade, me deixou um pouco apreensiva, afinal mudanças sempre nos causam um certo temor, mas foi tudo muito melhor do que eu pensava.

As famílias da minha mãe e do meu pai são grandes e todos nos receberam e nos tratam muito bem! Tenho aqui tias, tio, primas e primos e no Recife tinha só meus dois sobrinhos e minha cunhada, além dos amigos, claro!

Moro num apartamento muitíssimo melhor do que eu morava no Recife (o prédio tem até piscina), perto da família e também da minha paixão. Meu bairro, Jaguaribe, um dos mais antigos da cidade, é muito agradável, tem muitas casas, pouquíssimos prédios e fica perto de tudo: comércio, médicos e para a praia são só 7km. A rede de médicos da Geap (meu plano de saúde) na Paraíba, é tida como muito melhor que a de Pernambuco. E até hoje todos os médicos que procurei, com uma única exceção, não me decepcionaram, muito pelo contrário!

Às quartas-feiras, pertinho de casa, há uma feira que dura o dia inteiro e é considerada a melhor de João Pessoa. Tenho a Mata do Buraquinho, uma reserva de mata atlântica, como vizinha e na minha casa não faz calor. No inverno ficava o tempo todo com a porta e a janela da varanda fechadas, de tanto frio que fazia. Nem precisava ligar ventilador nem ar condicionado para dormir. Também não tem muriçoca, como tinha no Recife. O trânsito é infinitamente melhor que o do Recife. E aquela história de "motorista da Paraíba", é só puro preconceito mesmo! Não vejo os motoristas usarem as buzinas como no Recife e dar a vez para o pedestre, é uma constante por aqui. Também temos violência, mas ainda é muito seguro morar nesta cidade.

Além dessas coisas, estou fazendo um trabalho voluntário na Rede Feminina de Combate ao Câncer na Paraíba, que está sendo pra lá de gratificante para mim. Estar com os portadores de câncer que fazem quimioterapia, uma vez por semana, me traz uma sensação tão boa de estar sendo útil que ninguém pode imaginar... E sinto não poder dedicar mais tempo a esse trabalho, pois preciso ficar com meu pai, que já tem 86 anos e precisa de companhia.

Também já fiz algumas boas amizades e até já fui citada em coluna de jornal (uau!!!), portanto, já estou até famosa.

Meu pai está adorando morar aqui, pois sempre teve vontade de voltar. Ele, que morava neste mesmo bairro, antes de irmos embora, lembra das pessoas, de onde moravam, de quem era quem e de fatos da história dos quais presenciou alguns. E está muito, muito contente por tudo!

Essas simples palavras são para dizer da minha felicidade por estar aqui e que não deixem de conhecer João Pessoa, seu povo, suas belezas naturais e se quiserem mudar para cá, aposto que não irão se arrepender.

Dezembro/2008