domingo, 3 de julho de 2011

PRESENTE DE DOMINGO...






















O GRANDE DEBATE DE LAMPIÃO COM SÃO PEDRO

Um cordel de José Pacheco da Rocha

Para me certificar
da morte de Lampião
arrumei o matulão
e andei pra me acabar
não escapou-me um lugar
do Brasil ao estrangeiro
percorri o mundo inteiro
procurando a realeza
até que tive a certeza
da morte do cangaceiro.

Andei nas areias gordas
pião sem boca e macumba
as ribeiras de cazumba
estas eu remexi todas
passei nas várzeas das poldras
fui à baixa da folia
levei uma companhia
deixei no bico da pata
passei nas brechas da gata
dormi na boca da jia.

Fui à serra do cambão
desci na jumenta prenha
mandei Chico Tomás Lenha
no engenho de Felipão
Pindoba de Damião
fica perto da furada
lá deixei um camarada
caminhei mais uma légua
dormi na baixa da égua
perto da tábua lascada.

Depois fui a quinzanga
o engenho de seu Melo
subi para o birimbelo
cheguei na chã de muzanga
três cacetes de Zé Panga
já fica do outro lado
fui ao cambito quebrado
do rodete de Pinheiro
deixei o meu companheiro
na bargada dum cevado.

Passei na chã da risada
desci na fazenda mole
fui à usina do fole
de Bertulina Pelada
segui pela mesma estrada
do alto da geringonça
do tapado do Mendonça
passei para o virador
e mandei um portador
dormir na boca da onça.

E atravessei os mares
montado em um planeta
que ao som de uma trombeta
vinha descendo dos ares
visitando aqueles lares
terra de santos e fadas
naquela mesma jornada
encostei no arrebol
cheguei na terra do sol
na casa da madrugada.

Ela me deu um abraço
prestou-me bem atenção
mandou chamar o verão
no reino do mestre espaço
depois chegou o mormaço
e saiu muito vexado
porque estava ocupado
no palácio da manhã
tratando da sua irmã
mulher do vento gelado.

Continuei a viagem
com boa capa de luva
porque a terra é de chuva
e mora dona friagem
seu palácio era na margem
do rio maior relento
descansei no aposento
da velha seca puxada
nesta noite a trovoada
deu uma surra no vento.

No reino da branca aurora
encontrei a brisa mansa
que vinha trazer lembrança
a princesa deusa da flora
a neve naquela hora
em sua alcova dormia
depois o sol lhe surgia
desfazer-lhe do regaço
enquanto pelo espaço
a neve branca corria.

Pra saber de Lampião
qual foi a parada sua
subi à terra da lua
escanchado num vulcão
encontrei um ancião
velho, barbado e corcundo
que vinha do fim do mundo
me viu e foi me contando
que viu São Pedro açoitando
um espírito vagabundo.

Chegou no céu Lampião
a porta estava fechada
ele subiu a calçada
ali bateu com a mão
ninguém lhe deu atenção
ele tornou a bater
ouviu São Pedro dizer:
- Demore-se lá, que é?
estou tomando café
depois o vou receber.

São Pedro depois da janta
gritou pra Santa Zulmira:
- Traz o cigarro caipira!
Acendeu no São Pranta
apertou o nó da manta
vestiu a casaca e veio
abriu a porta do meio
falando até agastado:
- Triste do homem empregado
que só lhe chega aperreio!

Abriu na frente o portão
ficou na trave escorado
branco da cor de um finado
quando avistou Lampião
mas com a trave na mão
não temeu de lhe falar
e disse: - Aqui não se dá
acolhida a gente mau
se não quer entrar no pau
acho bom se retirar.

Lampião lhe respondeu:
- Não venha com seu insulto
Você é um santo bruto
Que ofensa lhe fiz eu?
E mesmo o céu não é seu
Você também é mandado
portanto esteja avisado
se não deixar eu entrar
nós vamos experimentar
quem é que tem bom guardado.

- Você não entre atrevido
(São Pedro lhe disse assim)
ingresso a quem é ruim
nesta porta é proibido
não sabes que sois bandido
matador da vida humana
alma ferina e tirana
coração cruel, perverso!
Como queres um ingresso
nessa mansão soberana?

- É certo que fui bandido
perverso, estompra, voraz
porém quem foi não é mais
é mesmo que não ter sido
mesmo eu sou garantido
por um provérbio que tenho
escrito sobre um desenho
por pessoas elevadas
o qual diz: “águas passadas
não dão volta a meu engenho”.

- Não quero articulação
você aqui nada tem.
- É como você também
(lhe respondeu Lampião)
é porque do seu patrão
você transmite o mandado
eu tenho visto empregado
sair do trabalho expulso
sem direção, sem recurso
por qualquer trabalho errado.

Ali falou São Bernardo
que também vinha chegando
Pedro, você tá brincando
com esse cabra safado
Vá já chamar São Bernardo
e São Francisco da Penha
diga a São Tomé que venha
e chame São Juvenal
traga um pau do quintal
e uma lasca de lenha.

São Pedro ergueu-se nos pés
e disse de cara feia
Pra dar num cabra de peia
não precisa oito nem dez
e gritou por São Moisés
Vamo dar no bandoleiro
Saltou no meio do terreiro
até preparar a faca
gritando quebre uma estaca
e arranque um pau do chiqueiro.

São Paulo estava na quinta
Mas ouvindo a discussão
apertou o cinturão
e botou a faca na cinta
encontrou Santa Jacinta
que já vinha no caminho
e disse Santo Agostinho
arretocando o bigode
Arreda que tu não pode
eu pego o cabra sozinho .

Porém, antes de pegar
desceu um grande corisco
jogado por São Francisco
da porta do quinto andar
num tremendo ribombar
um trovão também desceu
o espaço escureceu
veio um forte pé de vento
Lampião nesse momento
dali desapareceu .

Poeta tem liberdade
sagrado dom da natura
conforme a literatura
escreve o que tem vontade
também a propriedade
precisa o dono ter
pelo menos vou dizer
se meu espírito não mente
poeta também é gente
também precisa comer.


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