sábado, 16 de junho de 2012

PORQUE HOJE É SÁBADO...

“Pão de Santo António” na Igreja de São Domingos, Rossio, Lisboa

O PÃOZINHO DE SANTO ANTÔNIO

Éramos quatro filhas. Todas na universidade, alegres e satisfeitas da vida. Minha avó, a mãe de papai, morava numa cidade muito longe da nossa. Ela quase não saía de sua casa. Passava anos sem nos visitar, mas papai a visitava umas duas vezes por ano. Quando crianças íamos muito à casa de vovó, mas depois de adolescentes e já adultas quase nunca tínhamos tempo. Raramente a visitávamos.

Vovó era muito religiosa e devota de Santo Antônio, crescemos ouvindo as histórias da devoção dela ao santo. Um dia de repente vovó chegou à nossa casa sem avisar. Até o papai se espantou.

No jantar daquele dia, quando estava toda a família reunida, ela foi direto ao ponto: “essas meninas não falam em casar não, minha gente? Tá no tempo!”

Foi uma risada geral. Ela séria estava e séria continuou: “aqui ninguém tem nem namorado? Tá no tempo! Quero ter bisnetos e como só tenho vocês de netas, tá na hora de darem um jeito, oxente! Que tristeza umas moças bonitas, bem criadas e estudadas, no Dia dos Namorados nenhuma tem namorado!”

– Mas vovó...

– Não tem mais e nem menos vovó. Vim para as providências. Amanhã é 13 de junho, Dia de Santo Antônio, já que nem o pai e nem a mãe de vocês se preocupam com o futuro das filhas, vou cuidar eu. De que adianta estudarem tanto e ficarem no caritó? Não quero isso pras minhas netas, não! Como ia dizendo, amanhã é Dia de Santo Antônio, todo mundo dessa casa vai comigo ver os festejos de Santo Antônio e buscar o Pãozinho de Santo Antônio, que é distribuído depois da missa. E quando a gente chegar, cada uma com seu Santo Antônio, que eu comprei um para cada uma, vai fazer as simpatias de amarração do santo que é pra ver se ele ajuda, né! Pelo que estou vendo aqui só mesmo Santo Antônio pra resolver o assunto.

– Mas vovó, não se usa mais essas bobagens não!

Ao que ela rindo disse: “quem não usa minha filha, fica assim que nem vocês, sozinhas!”

– Vovó é tudo superstição!

– Superstição, ah é? Pois saibam que se eu não tivesse amarrado um Santo Antônio teria sido mais uma moça no caritó. Foi Santo Antônio quem me deu o avô de vocês. E tu Letícia, não se faça de sonsa! Tá pensando que não sei que pegou meu filho pra casar depois de ter amarrado o santo, não? Não queira me fazer de besta que não sou não! Eu nem queria esse casamento, mas quando soube que se apegou com Santo Antônio fiquei quieta por respeito a ele, que é santo que com ele não se brinca. Depois que soube que tinhas amarrado o santo, fiquei quieta. Com Santo Antônio não se brinca!

– Ah, foi? E como foi?

Entramos no clima. Amanhecemos, as quatro, no dia 13, sob a vigilância de vovó, abrindo a porta da rua dizendo: “Santo Antônio, protetor dos enamorados, faça chegar até mim aquele que anda sozinho e que em minha companhia será feliz”.

Ao anoitecer a família Bezerra desembarcou na Igreja de Santo Antônio na maior animação do mundo. Assistimos à missa, recebemos o Pãozinho de Santo Antônio das mãos de vovó, que entrou na fila quatro vezes para pegar um pãozinho para cada neta, porque segundo ela o pãozinho só funciona para arranjar marido quando a moça o recebe de presente de uma pessoa da família ou de uma amiga.

A história do Pãozinho de Santo Antônio é no mínimo curiosa. Contam que Santo Antônio se incomodava muito com a pobreza. Um dia deu aos pobres todo o pão que havia no convento onde morava. Na hora do almoço o padre-padeiro viu que os pães que ele reservara para o almoço haviam sumido. Imediatamente comunicou o fato a Santo Antônio, que apenas disse-lhe que voltasse para olhar direito. Para seu espanto, o padre-padeiro ao chegar à despensa encontrou-a transbordando de pães! É uma linda história, não é?

Ficamos até altas horas na quermesse no adro da igreja e nos divertimos pra valer ouvindo muitas história do santo casamenteiro. Em casa cada uma de nós amarrou os braços do santo, presente de vovó, com dois fitilhos, um vermelho e outro branco. Em seguida rezamos um Pai-Nosso e uma Salve-Rainha e penduramos Santo Antônio de cabeça para baixo na cabeceira da cama, fazendo o pedido. As imagens deveriam ficar daquele jeito até o dia em que aparecesse um namorado.

Em seguida vovó declamou quatro vezes, uma para cada neta, uma prece a Santo Antônio, que quase morremos de rir porque é muito engraçada:

“Meu Santo Antônio querido,
meu santo de carne e osso,
se tu não me dás marido,
não tiro você do poço.

Meu querido Santo Antônio,
feito de nó de pinho,
me arranje um casamento
com um moço bonitinho (ou bonzinho).

Santo Antônio, casamenteiro,
não deixe a (dizer o nome) ficar solteira.

Santo Antônio, me case já,
enquanto sou moça e viva.
O milho colhido tarde
não dá palha nem espiga.

Minha avó tem lá em casa
um Santo Antônio velhinho.
Em os moços não me querendo
dou pancadas no santinho.

Santo Antônio, Santo Antônio,
abaixai-me esta barriga,
que não sei que tem dentro,
se é rapaz ou rapariga.

Santo Antônio pequenino,
mansador de burro brabo,
vem amansar minha sogra,
que é levada do diabo.”

Em seguida cada uma de nós rezou a Oração do Namorados:

“Santo Antônio, que sois invocado como protetor dos namorados, olhai por mim nesta fase importante da minha existência, para que não se perturbe esse tempo bonito da minha vida com futilidades e sonhos sem consistência, mas o aproveite para um melhor e maior conhecimento daquele ser que Deus colocou ao meu lado e para que ele também melhor me conheça.

Assim, juntos, preparemos o nosso futuro, onde nos aguarda uma família que, com vossa proteção, queremos cheia de amor, de felicidade, mas sobretudo de benção de Deus. Santo Antônio, abençoai este nosso namoro, para que transcorra no amor, na pureza, na compreensão, na sinceridade e na aprovação de Deus”.

Pois não é que as artimanhas de vovó deram certo também para nós? No ano seguinte em que recebemos o Pãozinho de Santo Antônio e amarramos o santo, as quatro irmãs da família Bezerra casaram-se no Dia de Santo Antônio!


São Paulo, junho de 2009



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