sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

“Tapacurá estourou!”

Barragem de Tapacurá

Vendo hoje na TV as notícias sobre as enchentes no Rio de Janeiro e sobre o boato de que uma barragem havia estourado perto de Friburgo, lembrei de um fato triste acontecido no Recife, onde eu morava, em 1975: o boato de que a barragem de Tapacurá tinha estourado. Foi uma loucura!

Na época eu trabalhava no Serpro e lá tivemos a informação correta de que era só um boato, o que nos tranqüilizou. Minha mãe, no entanto, teve problemas. Ela estava se dirigindo ao centro da cidade, de ônibus, e voltou do caminho, desesperada e sem saber o que fazer. Ficou em casa sem saber notícias do resto da família, eu, meu pai e meu irmão, que estávamos no trabalho.

Meu pai soube do boato já no caminho de volta do trabalho para casa e meu irmão, que trabalhava no Porto do Recife, como eu, também soube no trabalho, mas logo em seguida o desmentido.

Procurei o assunto na internet e achei o que segue abaixo, de uma bibliotecária  da Fundação Joaquim Nabuco.

Fátima Vieira


Av. Guararapes. Pânico coletivo no Recife.
10h do dia 21 de Julho de 1975.

“Tapacurá estourou!”

Maria do Carmo Oliveira

Bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco

Desde 1632, a história registra grandes enchentes em Pernambuco. Umas de maiores, outras de menores proporções, mas todas causando muitos danos à população. Depois das de 1970, houve pressão para que os governos estadual e federal tomassem providências no sentido de proteger o Recife das cheias.

Uma das providências seria a construção de barragens. Em 1973, foi inaugurada a de Tapacurá e a população acreditava que apenas ela seria a solução para evitar as enchentes. Em 1975, para surpresa de todos, houve uma enchente que foi considerada a maior calamidade do século.

Aconteceu entre os dias 17 e 18 de julho, quando 80% da população do Recife ficaram debaixo d’água, 25 municípios da bacia do rio Capibaribe também foram atingidos, morreram 107 pessoas e outras milhares ficaram desabrigadas. Ferrovias foram destruídas, pontes desabaram, casas foram arrastadas pelas águas. Por terra, o Recife ficou isolado do resto do País durante dois dias.

Quando as águas começaram a baixar, as pessoas, fisicamente e psicologicamente fragilizadas, foram aos poucos avaliando os prejuízos e retomando suas vidas. Foi nesse cenário que, por volta das 10 horas da manhã do dia 21 de julho, surgiu o boato de que a barragem de Tapacurá (que tem capacidade para acumular 94 milhões de metros cúbicos de água e nada sofrera com a enchente) havia estourado e que a cidade seria destruída pelas águas em poucas horas.

 “Tapacurá estourou!” O alarme anônimo provocou pânico em toda a cidade e o Recife enlouqueceu. O grito ecoou de boca em boca, começou a correria de um lado para outro em busca dos parentes e amigos para fugirem ou morrerem juntos. Motoristas gritavam para os pedestres: “Fujam! A barragem estourou!” Algumas pessoas corriam no sentido cidade-subúrbio, outros no sentido subúrbio-cidade. Uns subiam em árvores, outros subiam até os últimos andares de edifícios, grande parte simplesmente abandonava os postos de serviços em comércio, escritórios e até bancos. Lojas, colégios e repartições públicas ficaram vazias.

A rua do Hospício virou realmente um verdadeiro hospício. Filas de ônibus desmanchavam-se. Homens e mulheres abandonavam o posto da Previdência Social, onde aguardavam atendimento e, ainda com cartões de identificação nas mãos, atropelavam-se nas escadarias dos edifícios próximos na tentativa de encontrar um lugar seguro.

Carros trafegavam em velocidade na contramão. Ônibus eram invadidos fora das paradas por aflitos fugitivos, ao mesmo tempo em que passageiros apavorados saltavam pelas janelas. Mulheres em pleno ataque de nervos gritavam de mãos estendidas para o alto. “Salve-se quem puder!”.

Na Avenida Caxangá, que se estende por sete quilômetros em paralelo ao rio Capibaribe, estava uma confusão geral. Milhares de pessoas corriam de um lado para outro, disputando lugar com os carros e ônibus. Muitos com faróis acesos e buzinando com estardalhaço tomavam o sentido inverso do tráfego.

Pedestres imploravam por carona, mesmo sem saber o destino do veículo, mas apenas para sair dali. Das ruas transversais saiam multidões alarmadas, gente carregando roupas, aparelhos de televisão, bujões de gás, colchões. A loucura era tal, que até doentes internados em hospitais abandonaram ambulatórios e enfermarias, alguns vestidos com os característicos camisolões, para se juntarem à massa em fuga.

Cleudson Barros de Oliveira, recém-chegado da cidade de Salvador-BA, estava trabalhando na Empresa Bonfim, que ficava na antiga Rodoviária, próximo ao viaduto das Cinco Pontas. Quando soube que Tapacurá havia estourado, correu juntamente com os colegas, para cima do viaduto, entretanto achando que o viaduto provavelmente cairia com a força das águas, resolveram descer. Pensando depois que poderiam morrer afogados, subiram novamente e assim ficaram subindo e descendo completamente desorientados.

Várias outras situações dramáticas aconteceram: a dona de casa Fátima Aleixo, residente na rua Francisco de Paula Machado, no Cordeiro, gritava por socorro, numa crise de histeria, enquanto todos da rua corriam sem olhar para trás; Joana Gomes de Andrade, com um pé descalço e o outro calçado e sua filha Carmelita,  com a roupa que estava lavando na mão, também corriam, assim como Dora, com uma caixa de mantimentos que acabara de comprar, na cabeça. Era uma questão de vida ou morte, corria-se com o que estava ao alcance das mãos ou com o que se estava na mão. Não havia tempo para raciocínio lógico.

O governador do estado, José Francisco de Moura Cavalcanti, em seu gabinete, cuidava das ações de assistência aos municípios em que ele decretara estado de calamidade pública em consequência das inundações. Quando soube da notícia, convocou o coronel Geraldo Pereira de Lima, chefe da Casa Militar, para saber o que estava havendo.

Feita a comunicação com a administração da barragem, constatou-se que a situação era normal. O governador dirigiu-se para o meio da confusão, em frente ao Diretório Central dos Estudantes, na rua do Hospício. Os estudantes choravam, agitados. O governador disse a eles que a notícia da barragem não era verdadeira, que se Tapacurá houvesse estourado ele não estaria ali naquele momento. Os estudantes se acalmaram e tomaram as ruas gritando para o povo que a notícia sobre o estouro de Tapacurá era falsa, que era boato, que estava tudo bem.

Mas, somente após os insistentes boletins divulgados pelas emissoras de rádio e televisão, alguns feitos pelo próprio governador desmentindo o boato, a vida da cidade reordenou-se aos poucos.

Hoje, a história da barragem de Tapacurá parece coisa de folclore. As pessoas que viveram aquele acontecimento, no entanto, quase sempre têm uma história tragicômica para contar.

Recife, 13 de julho de 2006.

FONTES CONSULTADAS:

ENCHENTE e pânico. Disponível em: . Acesso em: 5 maio 2006.

FONSECA, Homero. Tapacurá; o dia em que o Recife enlouqueceu. In: MENEZES, Fernando (Coord.). Recife: paixão e tragédia. 2.ed. Recife: PROPEG, 2000.

JC On-Line. Especial 80 anos. Disponível em: Acesso em: 5 maio 2006.

TAPARURÁ estourou. . Disponível em: . Acesso em: 5 maio 2006.

COMO CITAR ESTE TEXTO:

ANDRADE, Maria do Carmo. “Tapacurá estourou!” Pesquisa Escolar On-Line, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: . Acesso em: dia  mês ano. Ex: 6 ago. 2009.

16 comentários:

Anônimo disse...

gostei do que li sobre as enchentes flquei preoculpada,com as enchentas nos outros lugares e comecei a pensar sera que o recife e seus bairros,estao preparados,para essa chuvas fortes,espero nao ter que passar pelo oque meus pais passaram pois,minha mae estava gravida de mim quando enfrentou uma enchete hoje graças a DEUS estou com 33 anos.tenho uma filha de 10 anos e tenho muito medo de passar por tudo oque meus pais e meus avos passarao com as enchentes.

Fatita Vieira disse...

Carly,

Agradeço a sua visita.

Recife enche muito quando chove, quem mora ou morou na cidade sabe bem o que é isso, mas espero que uma tragédia como a 75 não aconteça novamente.

Abraços!

LUCIANO disse...

TENHO 35ANOS 36 EM 28 DE JULHO,NA MATERNIDADE BANDEIRA FILHO OS MEDICOS CORRERAM FIQUEI SÓ COM MINHA MÃE.MÁS O MAIS IMPRECIONANTE OUVI RELATOS Q HOMENS FICARAM NA PORTA DO BOMPREÇO DA CAXANGA PARA EVITAR SAQUES,MESMO COM O RISCO DE MORRER.ESCUTEI DEZENAS DE RELATOS UNS TRISTES OUTROS COMICOS.

Fatita Vieira disse...

Luciano,

Entendi que você tinha acabado de nascer. Tadinho, abandonado pelos médicos.

Aquilo foi um horror!

Eveline Pereira disse...

e ontem (04-05-11) surgiu novamente um boato sobre tapacura esta pra estourar ..
Quem cria essa historias, hein ?
Imagina se o povo entra em panico como aconteceu em 75 .. ?
gostei muiro do seu texto parabens ..
Eu tenho 15 anos, nem sonhava em nascer, mas meu pai e meus avos ja me contaram muitas historias sobre essa enchente e o boato ..
Parabens'

Fatita Vieira disse...

Nossa! Outro boato?

Agora eu entendi o porquê do blog ter sido muito visitado ontem e hoje já estar com um índice muito alto de visitas, o que não é normal.

Obrigada pela visita e pelos parabéns!

Hermenérico Siqueira disse...

Eu Hermenérico Siqueira de Morais Filho, vivi estes momento. Estava trabalhando na Av. Cruz Cabugá (Maguary Processamento de Dados) quando veio a notícia, sai em direção a Rádio Clube de Pernambuco e ouvi dali que a notícia era falsa. Não pude entrar em contato com a minha família e amigos, os telefones estavam mudos ou não funcionavam direito. Mas, o que mais me impressionou, foi quando cheguei à Av. Conde da Boa Vista: pessoas corriam para todos os lados, os carros eram abandonados com a chave no contato, outros ainda funcionando, mulheres(por que as mulheres?) desmaiando (vi várias, soube que até mortes aconteceream no centro da cidade), e acreditem, não vi ninguém roubando alguma coisa, pois as lojas ficaram algumas abandonadas. Todos só queriam salvar a sua vida, parecia o fim do mundo contado pelos nossos avós. Me senti até privilegiado pelo fato de saber que tudo não passava de uma terrível brincadeira de mal gosto. Ficamos sabendo que um PX(Rádioamador da faixa do cidadão) havia colocado esta notícia e logo foi espalhada. Por mais que eu falasse que se tratava de um alarme falso, ninguém acreditava. Eu vivi estes penosos momentos.

Fatita Vieira disse...

Hermenérico,

Eu não vi essa correria porque não saí do Serpro onde trabalhava, já que soubemos logo que era mentira, mas foi um horror mesmo!

As pessoas não avaliam as consequências de uma coisa dessa antes de fazer. Foi muita irresponsabilidade.

Jota Erre disse...

nossa eu ja tinha ouvido muitas historia de enchente porque minha mae e minha vó ja passaram por varias enchentes quando eu nem pensava em nascer pela tarde saiu o boato na tv hj dia 05/05 mas foi logo confirmado que era mentira a barragem so estava sangrando mas antes de eu ir para o curso meu pai liga dizendo q o Derby esta o caos parecia q o mundo ia acabar pessoas gritando gente correndo de um lado para outro teve alguns acidentes mas ele nao contou o que era quando eu chego na cidade a mesma coisa ai ele conta q seria o boato de tapacura foi quando eu disse a ele que eu tinha acabado de ouvi no radio que era mentira so era boato mesmo ai ele ficou mais calmo e voltou para casa por que o pessoal do curso dele liberou por causa do drama

Fatita Vieira disse...

Poxa, Jota Erre... Então aconteceu algo parecido com o que aconteceu em 1975? Ainda bem que não foi na mesma proporção.

Taí a explicação para o meu blog, exatamente no post sobre Tapacurá, ter tido mais de mil acessos hoje.

Obrigada pela visita e pelo relato.

Luciana Dourado disse...

Atualmente vivemos mais um dilema da pós-modernidade, as duas faces que podem ser apresentadas pela Internet por ser esta um método eficaz de rápido perpasso de informações. Há pessoas que a usa para o bem e outras que fazem questão de incitar o terror daqueles que acreditam em tudo que lêem.
Lamentável.
Hoje presenciei uma cena digna de filme hollywoodiano, o cruzamento da Rua da Hora com a Barão de Itamaracá estava impossível! Carros querendo entrar em todas as direções, descontrolavelmente, desrespeitando os sinais e fechando o próprio cruzamento.
Uma desordem total devido a uns e outros que riam durante esse acontecimento.
Triste, porém, verdadeiro.
Espero sinceramente que situação semelhante a esta volte a ocorrer.

Fatita Vieira disse...

Pois é, Luciana, não pensei que isso aconteceria de novo, em plena era da internet e da modernidade nas comunicações como você bem citou, mas aconteceu.

Lamentável o prazer que as pessoas têm de espalhar o caos, quando tudo já está tão ruim.

Obrigada pela visita, embora por um péssimo motivo e pelo comentário

Luciana Dourado disse...

Retificando: Espero sinceramente que situação semelhante a esta não volte a ocorrer.

De nada!
É sempre bom a leitura de bons Blogs.
Parabéns pelo seu.

Fatita Vieira disse...

Luciana,

Eu vi que faltou o "não" na frase, mas não podia consertar.

Agradeço os parabéns.

Abraços!

Douglas disse...

e a tendencia é essa mesmo! alagar tudo o recife se destruir milhares de pessoas morrerem! ninguem toma providencia! faz uma manguei gigande e despeja nas prais! joga essa agua na puta que pariu!

Fatita Vieira disse...

Tá com raiva mesmo, não é Douglas?

Eu entendo.

Obrigada pela visita.