Caro 2013, prometo
estranhar, desconfiar, desacreditar...
Por Miguel Rios
Poderia
prometer me mudar para melhor no novo ano. Mas talvez pise na bola, perca o
interesse no meio do caminho e até piore. Poderia prometer mudar o próximo. Mas
quem sou eu para tanto. Apenas prometo achar estranho o dito óbvio, não dar
tanto crédito a propagados acertos, desconfiar dos corretos, ouvir os
incorretos, peneirar e ver o que fica, se fica.
Prometo
mesmo é me pôr na dúvida, me confrontar, me achar errado, me culpar, me
redimir, me absolver, me achar certo e voltar a me achar equivocado e me
reconvencer que não.
Prometo
julgar, que todo mundo julga, consciente ou não. Entretanto, prometo não ser
severo ao extremo, nem condenar com rispidez, que uma amargura e uma arrogância
a mais não me interessam.
Prometo, a princípio, estranhar.
Prometo, a princípio, estranhar.
Estranhar
o que cobra e se cobra roupa de grife, o que acha que a etiqueta carimba valor
em gente, o que se orgulha de frisar nome e sobrenome da calça jeans que
comprou. Nome e sobrenome que nem melhoram nem pioram ninguém, mas que servem
como outdoor de (auto) afirmação para uns e outros. Tipo comprador de carro
escolhendo o modelo para impressionar na porta dos eventos.
Estranhar
o que estabelece padrão único de comportamento e bom gosto. O que quer repaginar
pessoas para acolhê-las. O que prega estéticas absolutas, estilos de vestir, de
comer, de ouvir, de falar. O que tenta enquadrar, resgatar. O que quer
despagodear, desfunkear, desbreguear, desorkutizar e aí sim aceitar. Tipo
jesuíta catequizando o índio para salvá-lo.
Estranhar
e suspeitar do que cobra sinceridade, que jura franqueza, mas fica no adequado.
O sincero, sincero mesmo, requer coragem sobre-humana para dizer e ouvir. O
adequado dá refugos aqui e ali para conviver, até respeitar, ou, menos nobre,
para agradar a claque.
Estranhar
e lamentar pelo totalmente pragmático e pelo totalmente sonhador. Não há como.
Nem é bom que haja. Bom é o tempero misto do “é assim!” com o “será que é
mesmo?” e mais o “como seria se fosse de outro jeito?” Certeza completa, sobre
tudo, desmotiva, atravanca. Devaneio em excesso, convenhamos, cansa.
Estranhar
e ter demasiado cuidado com o muito correto e o totalmente incorreto. O que se
vigia para evitar sair do prumo e o que saltita fora da linha de segundo em
segundo. O que acredita rir sem nunca ofender e o de riso exclusivo tirando o
couro do outro. Impossível. Se um é o ódio enraizado, conservador, disfarçado,
o outro é o risco da paranoia, desembocando no mau humor, no faro viciado por
preconceito, pior, no ódio reverso. Prometer equilíbrio é fácil, tentar também,
consegui-lo é onde fica o nó, que tantos alardeiam ter desatado,sentados no
banco vítreo da hipocrisia.
Estranhar
e olhar atônito para o modelador de sexualidade. O que quer gêneros estáticos,
sem oscilar.
Que
acha que mulher tem que ser fêmea no que se cravou ser fêmea e homem tem
que ser macho no que se cravou ser macho. Que lésbica tem que ser fêmea e gay
tem que ser macho. Que trejeitos e pintas são desnecessários, absurdos, que
transexualidade é um exagero, que homossexualidade deve ser na discrição. Para
não chocar, para ser acolhido mais fácil.
Prometo
estranhar e ter receio do neomoralista. Tipo o cheio de boas intenções, o que
se diz liberal, preocupado com a sociedade, e que pede novela pudica para não
chocar as famílias, como se nas famílias não houvesse problemas nada pudicos de
novela. Tipo o que se diz inclusivo, mas abomina beijo gay em público para não
influenciar as crianças, como se a heterossexualidade fosse fraca a ponto de ser
abandonada pela visão de um beijo entre iguais. Tipo o que se acha defensor das
mulheres ao criticar a periguete, anônima ou famosa, sem reconhecer que a
liberdade dela de usar, transar, não usar e não transar, o que, com quem,
quantos quiser, é mais que um direito.
Prometo
estranhar meu olhar adestrado. Rever os que desobedecem à lógica imposta do que
é ser bem visto. Os marcados como cafonas, deseducados, mal vestidos, bregas,
avacalhados, palhaços. Bichas, sapatões, travestis, putas, escandalosos. Andróginos,
poliamantes, assexuados, pegadores. Os vergonhosos.
Não
prometo que não vou estranhá-los. Nem prometo que não vou me chocar, nem achar
desagradável uma coisa ou outra. Nem que não vou mentalmente criticá-los. Muito
menos que não haverá recaídas para descumprir as promessas acima.
Desligar-se
do zumbido uníssono é complicado, espinhento, muito pretensioso. E a colmeia
zumbe ainda mais alto nestes tempos de redessocialismo.
Prometo
esforço para entender, para desentender e reentender. E relax, sem culpar, nem
me culpar, quando for demais para mim.
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