terça-feira, 1 de janeiro de 2013

CARO 2013...




Caro 2013, prometo estranhar, desconfiar, desacreditar...

Por Miguel Rios

Poderia prometer me mudar para melhor no novo ano. Mas talvez pise na bola, perca o interesse no meio do caminho e até piore. Poderia prometer mudar o próximo. Mas quem sou eu para tanto. Apenas prometo achar estranho o dito óbvio, não dar tanto crédito a propagados acertos, desconfiar dos corretos, ouvir os incorretos, peneirar e ver o que fica, se fica.

Prometo mesmo é me pôr na dúvida, me confrontar, me achar errado, me culpar, me redimir, me absolver, me achar certo e voltar a me achar equivocado e me reconvencer que não.

Prometo julgar, que todo mundo julga, consciente ou não. Entretanto, prometo não ser severo ao extremo, nem condenar com rispidez, que uma amargura e uma arrogância a mais não me interessam.
Prometo, a princípio, estranhar.

Estranhar o que cobra e se cobra roupa de grife, o que acha que a etiqueta carimba valor em gente, o que se orgulha de frisar nome e sobrenome da calça jeans que comprou. Nome e sobrenome que nem melhoram nem pioram ninguém, mas que servem como outdoor de (auto) afirmação para uns e outros. Tipo comprador de carro escolhendo o modelo para impressionar na porta dos eventos.

Estranhar o que estabelece padrão único de comportamento e bom gosto. O que quer repaginar pessoas para acolhê-las. O que prega estéticas absolutas, estilos de vestir, de comer, de ouvir, de falar. O que tenta enquadrar, resgatar. O que quer despagodear, desfunkear, desbreguear, desorkutizar e aí sim aceitar. Tipo jesuíta catequizando o índio para salvá-lo.

Estranhar e suspeitar do que cobra sinceridade, que jura franqueza, mas fica no adequado. O sincero, sincero mesmo, requer coragem sobre-humana para dizer e ouvir. O adequado dá refugos aqui e ali para conviver, até respeitar, ou, menos nobre, para agradar a claque.

Estranhar e lamentar pelo totalmente pragmático e pelo totalmente sonhador. Não há como. Nem é bom que haja. Bom é o tempero misto do “é assim!” com o “será que é mesmo?” e mais o “como seria se fosse de outro jeito?” Certeza completa, sobre tudo, desmotiva, atravanca. Devaneio em excesso, convenhamos, cansa.

Estranhar e ter demasiado cuidado com o muito correto e o totalmente incorreto. O que se vigia para evitar sair do prumo e o que saltita fora da linha de segundo em segundo. O que acredita rir sem nunca ofender e o de riso exclusivo tirando o couro do outro. Impossível. Se um é o ódio enraizado, conservador, disfarçado, o outro é o risco da paranoia, desembocando no mau humor, no faro viciado por preconceito, pior, no ódio reverso. Prometer equilíbrio é fácil, tentar também, consegui-lo é onde fica o nó, que tantos alardeiam ter desatado,sentados no banco vítreo da hipocrisia.

Estranhar e olhar atônito para o modelador de sexualidade. O que quer gêneros estáticos, sem oscilar.

Que acha que mulher tem que ser fêmea no que se cravou ser fêmea  e homem tem que ser macho no que se cravou ser macho. Que lésbica tem que ser fêmea e gay tem que ser macho. Que trejeitos e pintas são desnecessários, absurdos, que transexualidade é um exagero, que homossexualidade deve ser na discrição. Para não chocar, para ser acolhido mais fácil.

Prometo estranhar e ter receio do neomoralista. Tipo o cheio de boas intenções, o que se diz liberal, preocupado com a sociedade, e que pede novela pudica para não chocar as famílias, como se nas famílias não houvesse problemas nada pudicos de novela. Tipo o que se diz inclusivo, mas abomina beijo gay em público para não influenciar as crianças, como se a heterossexualidade fosse fraca a ponto de ser abandonada pela visão de um beijo entre iguais. Tipo o que se acha defensor das mulheres ao criticar a periguete, anônima ou famosa, sem reconhecer que a liberdade dela de usar, transar, não usar e não transar, o que, com quem, quantos quiser, é mais que um direito.

Prometo estranhar meu olhar adestrado. Rever os que desobedecem à lógica imposta do que é ser bem visto. Os marcados como cafonas, deseducados, mal vestidos, bregas, avacalhados, palhaços. Bichas, sapatões, travestis, putas, escandalosos. Andróginos, poliamantes, assexuados, pegadores.  Os vergonhosos.

Não prometo que não vou estranhá-los. Nem prometo que não vou me chocar, nem achar desagradável uma coisa ou outra. Nem que não vou mentalmente criticá-los. Muito menos que não haverá recaídas para descumprir as promessas acima.

Desligar-se do zumbido uníssono é complicado, espinhento, muito pretensioso. E a colmeia zumbe ainda mais alto nestes tempos de redessocialismo.

Prometo esforço para entender, para desentender e reentender. E relax, sem culpar, nem me culpar, quando for demais para mim.

Fonte: http://ne10.uol.com.br//coluna/o-papo-e-pop/noticia/2012/12/28/caro-2013-prometo-estranhar-desconfiar-desacreditar-389784.php

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