BACALHAU COM FARINHA
Efigênio Moura
Quarta feira de trevas. Já perto das 6 da noite, hora da Ave Maria, caminho escuro, caminhavam em passos lentos Pitombão e Isabel com destino a Anjiquinho, onde moravam.
Nas costas de Pitombão, um saco de feira, nas mãos de Isabel um embrulho muito bem acariciado, bendito e desejado. Em cima um pouquinho de lua, em baixo os olhos alumiavam o caminho. O casal quase que não se continha de alegria com o presente que ganharam de Beth, lá da Monteiro Fm: 1 quilo de bacalhau.
Nunca comeram bacalhau, havia uma vaga lembrança do nome do tempo em que Chacrinha ainda era vivo. Bacalhau era peixe de rico.
A feira mirradinha não pesava quase nada, mas as bocas cheias d’agua atrapalhavam o caminhar…
- To guentano não Zabé, da vontade de cumê cru.
- Sabia qui nos istrangeiros tombem se come assim, cuma pasté ?
Caminhavam.
Após a AABB, viram a fazenda de Walter Farias, a luz do poste apagada, só um ‘fiapin’ de luz que parecia vir do candeeiro de dentro da casa de Vitô e Luzinete.
- Pronto agora qui num ando mais se num dé uma tacadinha nesse bicho…
- Peraí Pitombão, tu pensa quisso é cuma sardinha, qui nós abre e sai cumeno ? Ispin de peixe de rico é mortá.
- Agora lascô, vo cumê é agora.
E chegando à parede que dar acesso a casa de Vitô, largou o saco, pegou o pacote, desembrulhou , sentiu o cheiro salgado, rasgou um pedaço e…
- Pera homi, vô pegá a farinha.
Isabel agachou-se abriu o saco de farinha, pegou um punhado colocou na mão de Pitombão, que de uma vez só, jogou o pedaço de bacalhau e a farinha na boca.
Nesse mesmo momento, Vitô abre a porta e vai fazer sua ronda semifinal nos arredores da sua casa, vai na casa grande, manda os cachorros se calar, caminha a passos preguiçosos com uma lanterna na mão, vai verificar o cadeado no portão quando ver os vultos.
Vitô se assustou. Parou e fixou o olhar nas sombras que o ‘restin’ de lumiar fazia.
Enquanto isso, Pitombão se engasgou, Isabel se agoniou…
- Devagar meu véi!
Pitombão gemeu um pouquinho.
- Isso meu véi, vagazin…
Vitô ouvindo. Pitombão agoniado.
- Hum, Hum
- Com jeitin meu véi, assiiiiiimm
Vitô se injuriando, Pitombão se mexendo.Isabel ajudando o marido.
- Ta arranhano ? Qué qui múie ?
Vitô não esperou, correu pra dentro de casa, assustado chamou Luzinete:
- Mulé cadê o revolvi, parece que tao acunhando na safadeza na no muro da casa…
- Vigi Maria!!! Tenha calma home, feché’ssa porta, deve de ser malassombro.
Sem agua e sem respirar direito, Pitombão mexia todo o corpo, e Isabel reclamava:
- Véi guluso, bem qui só divia ter deixado tu cheirá o danado.
Vitô não achando o revolver, agarrou uma espingarda antiga. E gritou…
- Magote de caba safado! Quem taí ?
Silencio, mas o pouco clarão da lua mostrava a sombra da luta de Isabel em querer segurar o corpo magro de Pitombão…
- Vô metê bala nesses cachorro, Luzinete.
- Vô acendê umas vela.
Do outro lado do muro, Isabel vendo o marido desfalecendo, grita:
- Reaje Pitombão!
Vitô se invocou:
- Vai ragir o que feladaputa!
- Reaje Pitombão! Seje Homi!!
- Venha seu malassonbro dos inferno, briga cum eu, apareça.
A porta entreaberta, a espingarda apontada pra fora
Nisso, Pitombão consegue engolir o pedaço de bacalhau com farinha e grita aliviado…
- Aiiiiiiiiiiiiiiii !
Nesse momento só se ouviu o pipoco no mêi do mundo…
Quase não dava tempo de Isabel e Pitombão pegarem suas coisas, deram uma carreira tão grande eu chegaram a Anjiquinho em menos de 10 minutos.
- Matasse Vitô ?
- Matei não mas butei pra corrê. Entre, vamo rezá, liga a televisão, tem um pádi de prantão essa hora lá.
Fechou a porta.
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