Beijo - Rubens Gerchman (1942)
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MULHER DOS OUTROS
Antônio Maria
Dia
claro. Primeiras horas do dia claro. Havíamos bebido e procurávamos um café
aberto, para uma média, com pão-canoa. Quase todos estavam fechados ou não
tinham ainda leite ou pão. Fomos parar em Ipanema, num cafezinho, cujo dono era
um português e nos conhecia de nome de notícia. Propôs-nos, em vez de café, um
vinho maduro, que recebera de sua terra, "uma terrinha (como disse) ao pé
de Braga". Não se recusa um vinho maduro, sejam quais forem as
circunstâncias. Aceitamo-lo. Nossa grata homenagem a José Manuel Pereira, que
nos deu seu vinho.
Nesse
café, além de nós, havia um casal, aos beijos. As garrafas vazias (de cerveja)
eram quatro sobre a mesa e seis sob. Beijavam-se, bebiam sua cervejinha e
voltavam a beijar-se. Não olhavam para nós e pouco estavam ligando para o resto
do mundo. Em dado momento, entraram dois rapazes e pediram aguardente no
balcão. Ambos disseram palavrões, em voz alta. O casal dos beijos e da cerveja
parou com as duas coisas. Outros palavrões e o cabeça do casal protestou:
—
Pára com isso, que tem senhora aqui!
Um
dos rapazes dos palavrões:
—
Não chateia!
—
Não chateia o quê? Pára com isso agora!
Um
dos rapazes do palavrão:
—
E essa mulher é tua mulher?
—
Não é, mas é mulher de um amigo meu!
A
briga não foi adiante. Todos rimos. O dono da casa, os rapazes dos palavrões, o
casal. Está provado que: quem sai aos beijos com mulher de amigo não tem
direito a reclamar coisa alguma.
Publicada
originalmente no jornal Última Hora – Rio de Janeiro, de 23-08-1960, foi
extraída do livro “Benditas sejam as moças: as crônicas de Antônio Maria”,
Editora Civilização Brasileira – Rio de Janeiro, 2002, organização de Joaquim
Ferreira dos Santos, pág. 115.
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