ASCENSÃO
Antonio Prata
Faz
apenas um segundo que Woopy Goldberg terminou de anunciar: "and the
Oscar goes to João Arlindo, from Brasil! With the film “Batuque”, mas ele
permanece imóvel. E com uma ereção daquelas não vai levantar mas nem fodendo —
me perdoem o trocadilho. Com a calça fininha do smoking alugado, e de
cueca samba-canção então... Seria um vexame sem precedentes, compartido via
satélite por mais de um bilhão de pessoas de Belford Roxo a Pequim, passando
pela casa da tia Conceição, que acaba de dar o primeiro soluço de felicidade, e
pelo bar do Pedrão, onde nesse instante todos os amigos se levantam das
cadeiras e pulam de alegria. João terá que tomar alguma atitude. E rápido. Mas
qual?
Já
se passaram três segundos desde que anunciaram seu nome. Três segundos é pouca
coisa. E o tempo que leva para a pessoa perceber que é com ela, abraçar o
companheiro do lado, esticar as pernas e começar o longo caminho da poltrona
até o palco, tremendo que nem vara de marmelo (segundo dizem aqueles que já
viram uma vara de marmelo). E o que demora para a tradução simultânea (que
nunca é simultânea, e às vezes tampouco tradução) repetir o nome do ganhador,
do filme e do país de origem do filme. Mas depois de seis, oito segundos, a
coisa já vai começar a ficar esquisita. Por que o cara não levanta? — se
perguntará o quase um quarto da humanidade que acompanha o acontecimento. A
câmera já está mostrando João, e em no máximo dez segundos Rubens Ewald Filho
fará algum comentário. A Woopy Goldberg — quem sabe? — também. E aí?
Já
se passaram cinco segundos e João sente-se como naquelas cenas em que o herói
vai correndo pelo píer e não sabe se salta ou não salta no barco que zarpa,
levando sua amada, ou como o jogador que caminha em direção à bola e tem que
escolher de que lado baterá o pênalti. A situação de João é ainda pior do que
as descritas, porque não se trata de optar entre duas possibilidades, mas de
inventar sua própria saída — e será que existe alguma? 0 tempo que leva um
pinto da ereção completa à broxada total é superior ao que se pode esperar na
poltrona, depois que já anunciaram que você é o ganhador do Oscar sem causar
estranhamento. Além do mais, as únicas coisas que passam pela cabeça de João
são os rios de suor que descem, caudalosos, em direção às costas.
Sete
segundos. Rubens Ewald Filho comenta que João Arlindo, "o filho pródigo da
cinematografia nacional, está tão emocionado diante do primeiro Oscar
brasileiro, que mal consegue levantar-se da poltrona!". Mal sabe Rubens
que, caso João se levante agora, mais olhos verão a sua pródiga ereção do que
viram o homem pisar na lua!
Nove
segundos. 0 coração de João está a 210 bps, e o fluxo sangüíneo só faz
perpetuar seu estado de desesperação. Isso é o Oscar, meu amigo, não é uma
festa de debutantes em Mogi das Cruzes! É o maior ritual global o circo do
Império e, na situação em que se encontra João será comido pelo sarcasmo de
mais de um bilhão de leões-telespectadores! E entrará para a mitologia
contemporânea como "o cineasta que teve uma ereção no Oscar", e assim
será comentado nas rodas globais: "Oh you mean: that brazilian director
who had an erection during the Oscar ceremony? Yes, of course I
remember! How could I forget?!" "Hombre, João Arlindo
es el tío aquel de la erección, verdad?" "Hein kraft nich däs ereckcionaz,
nun?", e durante algumas semanas seu nome será mais digitado na
Internet do que o de Britney Spears, do Michael Jackson e da Madonna juntos.
João sabe muito bem disso.
Onze
segundos. Woopy Goldberg vai de novo ao microfone: "João, are you
there?!". Como conseqüência 1 bilhão, 234 milhões, 187 mil e 27
pessoas riem, pois sentem compartilhar a estranheza diante daquele premiado que
não se levanta. Essas 27 são os amigos lá no bar do Pedrão, que ainda se
abraçam e agora pulam ao som de “Aquarela do Brasil”, oportunamente colocada
pelo próprio Pedrão (versão do Canal 100, por Valdir Calmon e sua orquestra).
Tia Conceição, por entre um soluço e outro, observa preocupada a demora do
Joãozinho em sair da poltrona. Rubens Ewald Filho comenta: "Gente, será
que tá acontecendo alguma coisa com nosso querido João Arlindo?".
Antes
que Rubens Ewald acabe seu comentário, no entanto, o cineasta brasileiro já
sumiu do enquadramento da câmera que até então o mostrava: entre o segundo 12 e
o 13 João Arlindo se atirou da poltrona e estatelou-se no chão do corredor.
Agora, sobre o tapete vermelho ele se contrai, esperneia e baba, da forma que
sempre ouviu dizer que fazem os epilépticos. Diante do silêncio de um quarto da
humanidade, da Woopy Goldberg, do Rubens Ewald Filho e da tia Conceição, o
primeiro cineasta brasileiro a receber um Oscar é retirado de maca. E, a
despeito da insistência do pessoal da emergência em esticá-lo, ele consegue
colocar-se de ladinho, e é assim, em posição quase fetal, que some pelas coxias
do enorme teatro, sem deixar notar a ereção. Tia Conceição não agüenta de
desespero e morre do coração. O pessoal do bar do Pedrão, perplexo, continua
abraçado e olhando o telão. Será só no segundo 124 que esboçarão um movimento,
quando o celular do Serginho, ligado no sistema vibratório, tremer no bolso de
sua calça. Do outro lado da linha, uma voz muito conhecida dirá: "Caralho,
Serginho, cês não vão acreditar no que me aconteceu!".
Da página 19 do livro "As
pernas da tia Corália", Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2003.
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