sábado, 28 de julho de 2012

PORQUE HOJE É SÁBADO...



PODE ME CHAMAR DE GAY

Fabrício Carpinejar *

Pode me chamar de gay. Está dizendo que cuido do corpo, afino as cordas dos traços. Está dizendo que falo sobre sexo sem vergonha. Está dizendo que danço levantando os braços. Pode me chamar de gay. Está dizendo que choro sem o consolo dos lenços. Está dizendo que meus pesadelos passaram na infância. Está dizendo que dobro toalha de mesa como se fosse um pijama de seda.

Pode me chamar de gay. Está dizendo que sou aberto e me livrei dos preconceitos. Está dizendo que posso andar de mãos dadas com os anéis. Está dizendo que assisto a um filme para me organizar no escuro. Pode me chamar de gay. Está dizendo que reinventei minha sexualidade, reinventei meus princípios, reinventei meu rosto de noite. Pode me chamar de gay. Está dizendo que não morri no ventre, na cor da íris, no castanho dos cílios. Pode me chamar de gay. Está dizendo que sou o melhor amigo da mulher, que aceno ao máximo no aeroporto, que chamo o táxi com grito.

Pode me chamar de gay. Está dizendo que me importo com o sofrimento do outro, com a rejeição, com o medo do isolamento. Está dizendo que não tolero a omissão, a inveja, o rancor. Pode me chamar de gay. Está dizendo que vou esperar sua primeira garfada antes de comer. Está dizendo que não palito os dentes. Está dizendo que desabafo os sentimentos diante de um copo de vinho. Pode me chamar de gay. Está dizendo que sou generoso com as perdas, que não economizo elogios, que coleciono sapatos.

Pode me chamar de gay. Está dizendo que sou educado, que sou espontâneo, que estou vivo para não me reprimir na hora de escrever. Pode me chamar de gay. Que seja bem alto.

A fragilidade do vidro nasce da força e do ímpeto do fogo.

Crônica do livro Canalha, de Fabrício Carpinejar

Fonte: http://poemascigarrospolaroides.blogspot.com.br/2011/12/cronica-do-livro-canalha-pode-me-chamar.html


Blog do autor: http://carpinejar.blogspot.com.br/

Escritor, jornalista e professor universitário, autor de dezenove livros, pai de dois filhos, um ouvinte declarado da chuva, um leitor apaixonado do sol. Quando conseguir se definir, deixará de ser poeta.


Nota: o realce do texto aparece quando eu copio de algum endereço da internet. De alguns eu consigo tirar, mas de outros, como este, não saem de jeito nenhum. Minhas desculpas.


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