CORTESIA DE FUNERÁRIA
Leonardo Dantas Silva
O esquineiro Hernani Dantas, nas suas andanças pelo Estado da Paraíba, descobre para nós outros, a singular figura de um dono de casa funerária e suas peripécias no ramo:
Melcíades Serrano vivia indignado porque fora batizado Melquíades e fizera, em cartório, a retificação na grafia do nome, em vista de não gostar de letras com rabo, e nutria uma grande mágoa dos seus pais por terem botado o seu nome sem prévia autorização, sendo esta a primeira arbitrariedade que sofrera. Quanto ao sobrenome, logicamente perdoava porque era mal de família oriunda da Serra da Borborema e teria de suportá-lo por toda a vida.
Dizia que estudara Letras com a intenção de ser professor, mas pensando melhor, chegara à conclusão de que não seria interessante ensinar aos outros o que aprendera com tanto sacrifício. E por isso resolvera estabelecer-se com uma casa funerária. Sabe por quê? E ele mesmo respondia:
– É porque em cada um dos senhores que andam bancando pose por aí, vejo um cliente em potencial. E não via com bons olhos a classe médica.
Concorrentes desonestos que “atrapalham a vida da gente”, dizia.
Deixei de vê-lo muito antes de sair da Paraíba e suponho mesmo que tornou-se um auto usuário dos artigos do seu ramo. Certo dia, chegou ao seu estabelecimento um morador do Roger, subúrbio paraibano, para comprar-lhe um caixão para o enterro de uma cunhada.
– Quanto é, Sr. Melcídades?
– Cento e quarenta mil réis, amigo.
– Tire aqui, E entregou-lhe uma nota de 200$000.
– Não tenho troco.
– Então venho pagar logo depois do enterro.
– O Sr. Desculpe. Mas, não vendo fiado.
– Neste caso, fique com o dinheiro, que venho buscar depois.
– Olhe, minhas normas são sagradas. Assim como não vendo fiado não posso ficar com o dinheiro de ninguém. Mas, vamos contornar a situação a contento. O Sr. Tem filhos?
– Tenho sim. Seis meninos de três a dezesseis anos.
O Melcíades pediu licença, foi lá para o interior da loja e voltou com um caixão de 1,20 m mais ou menos e um maço de velas.
– Olhe aqui, meu amigo. O sr. leva este caixãozinho pelo troco porque este mundo é cheio de surpresas e o sr. pode precisar qualquer dias desses. Este maço de velas é uma cortesia da casa.
* * *
A propósito, o esquineiro Cláudio Miranda, em suas andanças pelo subúrbio de Areias, encontrou na Avenida José Rufino, altura do nº 1415, um estabelecimento do gênero que é, ao mesmo tempo, um misto de funerária e casa de apostas.
Lá, tem gente que salva o pão de cada dia trabalhando para os vivos, outros levando os mortos à sua última morada.
As casas funerárias têm nomes peculiares, alguns de família (Baptista, Agra, Caldas, Braga), outros poéticos (Caminho do Céu) e outros jocosos, como aquela casa funerária de Salvador, precisamente no Terreiro de Jesus, que ostenta na sua fachada “A Vencedora”.
Mas a da Avenida José Rufino tem no seu letreiro de acrílico pomposamente escrito: Casa Funerária Bom Fim.
– Até aí, segundo o nosso esquineiro, nada demais.
Acontece que, no seu interior, tem uma banca de passar bicho com a denominação de Caminho da Sorte.
Daí não se saber se o caminho da sorte é para os fregueses da funerária ou para os que fazem sua “fezinha” no jogo do bicho.
Pelo sim, pelo não, é melhor não arriscar…
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