CONSIDERAÇÕES
SOBRE O SONO
Antônio Maria
A
pessoa que dorme está inteiramente só. *** Quando o homem dorme, o seu rosto se
desmarca de todas as tramas e de todos os desgostos. *** Nada enternece mais
uma mulher que o rosto do amante, dormindo. *** Ela se debruça sobre a face do
amado e descobre que eram simples palavras todas as valentias que ele lhe vinha
dizendo ou dando a entender. *** É quando a gente se parece menos com os
mortos... é quando se está dormindo. *** Quanto mais pobre mais comovente o ser
humano que dorme. *** No sono, a imobilidade das pessoas boas e
confiantes é sempre desarrumada. *** Gente má dorme em posição de sentido.
***Cada travesseiro tem um lugar e uma importância definidos na vigência do
sono. *** Não há nenhum abandono casual, nas pernas, nos braços ou na cabeça de
quem dorme, porque o corpo realiza, desde que haja espaço, sua única posição
realmente confortável. *** Experimente descobrir na mulher que dorme a seu
lado, um ser infinitamente decente, muito além de sua capacidade de fazer-lhe
uma razoável justiça. *** Quanta luz nos corpos despidos das mulheres
claras! *** Seria uma demasia de requinte ou de louvação, fazê-las dormir sobre
lençóis negros? *** A mais leve carícia de sua mão sobre o corpo da
amada que dorme poderá quebrar a solidão do sono e a tranqüilidade da carne já
não seria completa (contente-se em enternecer-se, sem tocá-la). *** Se for
preciso despertá-la, que seja com ruídos aparentemente casuais. *** Ah, que
intensos ciúmes, no passado e no futuro, sobre a nudez da amada que dorme! Só
você a viu, só você a verá assim tão bela! *** Nas mulheres que dormem vestidas
há sempre, por menor que seja, um sentimento de desconfiança. *** A amada tem
sob os cílios a sombra suave das nuvens. *** Seu sossego é o de quem vai
ser flor, após o último vício e a última esperança. *** Um homem e uma mulher
jamais deveriam dormir ao mesmo tempo, embora invariavelmente juntos, para que
não perdessem, um no outro, o primeiro carinho de que desperta. *** Mas, já que
é isso impossível, que ao menos chova, a noite inteira, sobre os telhados dos
amantes.
Rio, 17/1/1956
Texto extraído do livro "O Jornal de Antônio Maria",
Editora Saga - Rio de Janeiro, 1968,
pág. 42.
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