domingo, 28 de outubro de 2012

JOÃO PESSOA VERMELHOU!!!



VERMELHO

Canta: Fafá de Belém

A cor do meu batuque
Tem o toque, tem o som
Da minha voz
Vermelho, vermelhaço
Vermelhusco, vermelhante
Vermelhão...

O velho comunista se aliançou
Ao rubro do rubor do meu amor
O brilho do meu canto tem o tom
E a expressão da minha cor
Vermelho!...

A cor do meu batuque
Tem o toque, tem o som
Da minha voz
Vermelho, vermelhaço
Vermelhusco, vermelhante
Vermelhão...

O velho comunista se aliançou
Ao rubro do rubor do meu amor
O brilho do meu canto tem o tom
E a expressão da minha cor
Meu coração!...

Meu coração é vermelho
Hei! Hei! Hei!
De vermelho vive o coração
He Ho! He Ho!
Tudo é garantido
Após a rosa vermelhar
Tudo é garantido
Após o sol vermelhecer...

Vermelhou o curral
A ideologia do folclore
Avermelhou!
Vermelhou a paixão
O fogo de artifício
Da vitória vermelhou

Vermelho - http://www.youtube.com/watch?v=2Lc2waSQGno


PRESENTE DE DOMINGO...




ANDARILHO BLUES

Clóvis Campêlo

Perdido pela cidade
me encontro em tons azuis,
roques, baladas e blues,
toda a musicalidade

que emerge das suas ruas:
o som sereno do rio,
os cães latindo no cio,
gatos miando pra lua;

o ruído dos motores,
as frenéticas buzinas,
o vapor que contamina,
a vida em estertores.

Perdido pela cidade,
olhando a face do povo
em busca de algo novo,
procuro a felicidade.

Recife, 2010


sábado, 27 de outubro de 2012

PORQUE HOJE É SÁBADO...


SOBRE A MORTE E O MORRER

Rubem Alves

O que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de
um ser humano? O que e quem a define?

Já tive medo da morte. Hoje não tenho mais. O que sinto é uma enorme tristeza. Concordo com Mário Quintana: "Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver." A vida é tão boa! Não quero ir embora...

Eram 6h. Minha filha me acordou. Ela tinha três anos. Fez-me então a pergunta que eu nunca imaginara: "Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?". Emudeci. Não sabia o que dizer. Ela entendeu e veio em meu socorro: "Não chore, que eu vou te abraçar..." Ela, menina de três anos, sabia que a morte é onde mora a saudade.

Cecília Meireles sentia algo parecido: "E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega... O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias... Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto...”

Da. Clara era uma velhinha de 95 anos, lá em Minas. Vivia uma religiosidade mansa, sem culpas ou medos. Na cama, cega, a filha lhe lia a Bíblia. De repente, ela fez um gesto, interrompendo a leitura. O que ela tinha a dizer era infinitamente mais importante. "Minha filha, sei que minha hora está chegando... Mas, que pena! A vida é tão boa...”

Mas tenho muito medo do morrer. O morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações, aparelhos e tubos enfiados no meu corpo, contra a minha vontade, sem que eu nada possa fazer, porque já não sou mais dono de mim mesmo; solidão, ninguém tem coragem ou palavras para, de mãos dadas comigo, falar sobre a minha morte, medo de que a passagem seja demorada. Bom seria se, depois de anunciada, ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, em meio a visões de beleza.

Mas a medicina não entende. Um amigo contou-me dos últimos dias do seu pai, já bem velho. As dores eram terríveis. Era-lhe insuportável a visão do sofrimento do pai. Dirigiu-se, então, ao médico: "O senhor não poderia aumentar a dose dos analgésicos, para que meu pai não sofra?". O médico olhou-o com olhar severo e disse: "O senhor está sugerindo que eu pratique a eutanásia?".

Há dores que fazem sentido, como as dores do parto: uma vida nova está nascendo. Mas há dores que não fazem sentido nenhum. Seu velho pai morreu sofrendo uma dor inútil. Qual foi o ganho humano? Que eu saiba, apenas a consciência apaziguada do médico, que dormiu em paz por haver feito aquilo que o costume mandava; costume a que freqüentemente se dá o nome de ética.

Um outro velhinho querido, 92 anos, cego, surdo, todos os esfíncteres sem controle, numa cama -de repente um acontecimento feliz! O coração parou. Ah, com certeza fora o seu anjo da guarda, que assim punha um fim à sua miséria! Mas o médico, movido pelos automatismos costumeiros, apressou-se a cumprir seu dever: debruçou-se sobre o velhinho e o fez respirar de novo. Sofreu inutilmente por mais dois dias antes de tocar de novo o acorde final.

Dir-me-ão que é dever dos médicos fazer todo o possível para que a vida continue. Eu também, da minha forma, luto pela vida. A literatura tem o poder de ressuscitar os mortos. Aprendi com Albert Schweitzer que a "reverência pela vida" é o supremo princípio ético do amor. Mas o que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano? O que e quem a define? O coração que continua a bater num corpo aparentemente morto? Ou serão os ziguezagues nos vídeos dos monitores, que indicam a presença de ondas cerebrais?

Confesso que, na minha experiência de ser humano, nunca me encontrei com a vida sob a forma de batidas de coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define biologicamente. Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria. Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se transforma numa casca de cigarra vazia.

Muitos dos chamados "recursos heróicos" para manter vivo um paciente são, do meu ponto de vista, uma violência ao princípio da "reverência pela vida". Porque, se os médicos dessem ouvidos ao pedido que a vida está fazendo, eles a ouviriam dizer: "Liberta-me".

Comovi-me com o drama do jovem francês Vincent Humbert, de 22 anos, há três anos cego, surdo, mudo, tetraplégico, vítima de um acidente automobilístico. Comunicava-se por meio do único dedo que podia movimentar. E foi assim que escreveu um livro em que dizia: "Morri em 24 de setembro de 2000. Desde aquele dia, eu não vivo. Fazem-me viver. Para quem, para que, eu não sei...". Implorava que lhe dessem o direito de morrer. Como as autoridades, movidas pelo costume e pelas leis, se recusassem, sua mãe realizou seu desejo. A morte o libertou do sofrimento.

Dizem as escrituras sagradas: "Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer". A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A "reverência pela vida" exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a "morienterapia", o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a "Pietà" de Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo.

Texto publicado no jornal “Folha de São Paulo”, Caderno “Sinapse” do dia 12-10-03. fls 3.


Imagem Google

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

domingo, 21 de outubro de 2012

PRESENTE DE DOMINGO...




CANÇÃO

Cecília Meireles

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Imagem google

sábado, 20 de outubro de 2012

PORQUE HOJE É SÁBADO...




Mulher chorando – Portinari - 1947

DE VENETA

Geraldo Bernardo

Passei todos os dias de minha existência, tramando algo. Não sei o quê. Ainda hoje, busco descobrir esta ânsia que me apodera o ser e faz brotar pensamentos adversos ao lugar comum, por exemplo.

Uma vingança, talvez. Um quase morrer que contamina o pensar. Uma revolta que entala, vez por outra, se converte em lágrimas.

A primeira vez que tive uma sensação assim, tinha sete anos.

Eram quatro horas matutinas quando pegamos a estrada. Primeiro, fomos de carroça de burro, das brenhas, do sopé da Serra das Araras, cortando riachos e lamaçal. Quem conduzia era Seu Agostinho, matuto velho, padrinho de fogueira de meu pai, confidente e parceiro em inúmeras peripécias etílicas e românticas.

Meu pai calado. No lastro da carroça uma mala vestida num saco, duas caixas, uma delas eu sabia o que era: espécie de gergelim, feijão “galanjão”, rapadura, arroz vermelho e muito carinho de Vozinha que mandava saudades e quitutes para os filhos que já haviam emigrado. A outra caixa, segredo, coisa de meu pai.

Por falar em coisa de meu pai, aquele era cheio de coisa, de tradição e veneta. Não era coisa só de meu pai não, era coisa de família, imigrados italianos, combatentes das vendettas, gente que outrora, no além mar, havia sido nobre, meus tataravó. Cumpriram a sina de netos – viraram pobres – meus avós.

Muito tempo depois entendi que aquelas chatices eram regras de etiqueta.

- Não mastigue com a boca aberta, menino! Parece um porco comendo. E tire os cotovelos da mesa! Onde já se viu. – Vozinha era analfabeta, todos os seus irmãos, tias, filhos, netos, todos enfim, analfabetos, mas, todos tinham modos para comer, vestir, falar, apresentar-se, como se fossem nobres urbanizados. Tradição oral, repassada com muita rigidez e cipoadas de pinhão roxo, nas pernas e braços, jamais, “bater na cara de um filho ou filha”, “isto pode gerar vingança de sangue”, foi este mandamento que Vozinha nos ensinou.

O bigode de meu pai era fino, combinava com a barbicha e o cabelo louro cacheado sobre os ombros, olhos azuis que doíam, alto, parecia “um bichão” – diziam alguns – usava chapéu de massa e camisa de “Volta ao Mundo”, encerrado em suas divagações. Eu dava um doce para adivinhar o que ele pensava.

Seu Agostinho chicoteava o burro. O coitado do animal se espremia no cume de suas forças, tentando subir um barranco, puxando a carroça com a gente em cima, além da costumeira carga de tambores de leite para serem entregues na estrada. Afora as chicotadas, os xingamentos aos berros. O velho Agostinho estava enfezado:

- Com os seiscentos mil diabos, essa praga de burro sem futuro, não vai subir.

- Deixa que eu desço. – era meu pai.

- Não precisa, vai sujar o sapato.

O sapato que Agostinho falava, era da moda, Cavalo de Aço, salto alto, parece que tô vendo, meu pai se arrumando para sair, minha mãe com o bucho pelas goelas, entufada, com os olhos inchados, tanto que havia chorado. Minha avó cuidava dos arremates finais pra viagem e me obrigava a tomar banho, na madrugada, para seguir com meu pai até a rua. Minha primeira saída de casa. Meu pai assobiava e se perfumava depois de ter vestido a calça boca de sino e amarrado o sapato novo de duas cores: branco e cor de café com leite (era como a gente conhecia a cor bege, àquela época). Eu observava tudo e nada entendia.

Seu Agostinho desceu da carroça e se dirigia ao burro com mil palavrões, decidiu ajudar empurrando a carroça enquanto meu pai assumiu o seu lugar. A partir de então meu pai foi guiando até a estrada onde meu tio foi nos pegar num jipe.

Na cidade tudo era muito diferente, na casa de meu tio provei, pela primeira vez: pão assado na manteiga e leite com chocolate. Uma delícia parecia não sei o quê, queimei a língua, mas, mesmo assim, no finzinho da caneca parecia que nada mais existia no mundo a não ser eu e aquela coisa gostosa. Fechei os olhos e me inundava no sabor do chocolate, quando ouvi meu pai:

- Simbora, acorda menino, parece um jumento morto, dormindo sentado, num ta vendo que acabou?

Envergonhado e estarrecido de medo, devolvi o copo imediatamente à mesa e encolhi-me no encosto da cadeira, pra ouvir minha tia torta dizer:

- Deixe o menino – depois olhou para mim, fez cara de piedade e continuou – quer mais?

- Querer eu queria, ia dizer que não por educação, assim eu havia aprendido, mas, antes de responder meu pai tomou a frente e respondeu por mim.

- Quer não, precisa não. Ele já comeu demais, parece até que não tem vergonha, fica se mostrando na frente dos outros (os outros eram meus primos). Ele também não está acostumado com essas coisas “afrescalhadas” que vocês comem aqui na rua, vai que dá uma “caganeira” nesse infame.

Baixei ainda mais os olhos e fiquei parecendo vira lata que vai receber pancada. Foi quando meu tio (graças a Deus) interveio e pôs ordem em tudo:

– Vamo simbora! Já tamo ficando atrasado.

Até a rodoviária, seguimos: meu pai – mudo como sempre –, meu tio que o tempo todo dava conselhos e reprimendas em meu pai indiferente e eu, observando todas as maravilhas daquele mundo fabuloso e, para glória apoteótica, ao chegar à rodoviária meu tio me deu uma moeda e mandou que fosse comprar um picolé (nunca tinha visto um), mostrou-me a carrocinha, acenou para o vendedor e disse que eu podia ir sozinho até ele, que tivesse cuidado: que era pra pegar no palito. Meu pai só olhou-me de soslaio.

Distraí-me enquanto descobria o que era o tal picolé, pensei ser quente, pois a carrocinha esfumaçou quando o homem abriu e perguntou-me:

- Quer de qual?

- Qualquer um.

- De morango, quer?

- Quero.

Peguei aquele negócio vermelho e levei à boca para dar uma dentada. Pense num susto! O bicho doeu no dente, adormeceu minha língua, chegou a correr-me água da vista. Num supetão joguei fora o picolé, cuspi e tentei correr em fuga. Foi uma gargalhada geral, do vendedor e dos presentes no entorno.

Chorando fui em direção ao meu pai, mas ele já estava subindo para o ônibus, olhou-me, pareceu que lacrimejava, e disse:

- Fique com seu tio, ele vai cuidar de você.

Foi a última vez que vi meu pai.

Quando voltei com meu tio, entendi o segredo da caixa, eram minhas coisas. Todas as imagens se encaixaram, o choro de minha mãe, o enfezamento de Seu Agostinho, os olhares duros entre meu pai e meu tio, compreendi quase tudo naquele instante. Então me subiu pela garganta esta cólera, mas, não virou lágrima.