quinta-feira, 3 de maio de 2012

UMA REFLEXÃO SOBRE O MITO DA JUVENTUDE



Na contemporaneidade, a imagem da juventude está marcada pela ambigüidade e pela incerteza. Materializa-se pela suspensão e falta de reconhecimento no espaço social e simbólico.

Desde os anos 1980, a figuração da juventude, delineada com requintes de detalhes no romance de narrativa paradigmática, Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister, de Goethe, o qual perquiriu com detalhes a construção da adolescência, entrou em franco processo de desconstrução, por razões diversas.

Entre as quais se poderiamos citar a revolução feminista dos anos 1960-70, na qual as mulheres foram em busca de outras formas sociais de existência, além da condição materna. Isso foi a condição de possibilidade concreta para a desmontagem da família nuclear burguesa.

As mulheres como mães eram as peças fundamentais para fazer funcionar esse modelo familiar, pela a articulação que realizavam entre a gestão doméstica e as instituições médica e pedagógica, em nome do imperativo biopolitico, de produção da qualidade de vida da população.

O deslocamento das mulheres da posição exclusivamente materna foi o primeiro combate decisivo contra o patriarcado, que forjou nossa tradição desde a Antiguidade. Os movimentos gay e transexual vieram no rastro do movimento feminista. E finalmente a construção do modelo neoliberal da economia internacional, em conjunção com seu processo de globalização. Os jovens e os trabalhadores na faixa etária dos 50 anos foram os segmentos sociais mais afetados pela voragem neoliberal.

Diante da precariedade estabelecida no mercado de trabalho, via neoliberalismo, sem inserção social e profissional, os jovens foram lançados perigosamente numa terra de ninguém, restando-lhes apenasmente o corpo e a força física. E é por essa trilha que podemos enxergar a multiplicação das formas de violência entre os jovens na contemporaneidade.

Formou-se então no seio da juventude de hoje, uma cultura agonística, em que o medo do futuro e a insegurança do existir se perfilam efetivamente como espectros.

No Brasil, jovens de classe média e das elites passaram a atacar com inaudita violência, segmentos sociais de mulheres pobres, prostitutas, homossexuais, mendigos... É que tais segmentos sociais, para eles jovens representam o que efetivamente eles poderão ser no futuro, na ausência do reconhecimento social que os marca.

Ao lado disso a cultura agonística que tomou conta da juventude manifesta-se nas corridas noturnas de carros, assim como nas brigas freqüentes que ocorrem nos bairros freqüentados pela juventude das grandes cidades. È ainda nesse contexto cultural agonístico, levado ao paroxismo, que se estabeleceu o assassinato de pais pelos filhos, de maneira regular e inesperada.

É nesse registro que se deve inscrever a disseminação do bullyng, num combate agonístico com colegas considerados mais frágeis. Por essa prática, os “valentões” preparam-se já para o futuro na selva neoliberal, estabelecendo a hierarquia entre os corpos, pela serialização da força neles existente.

Finalmente, a cultura da força empreende-se nas academias de ginástica, onde os jovens cultivam os músculos para forjar um simulacro de força na ausência efetiva da potência, que se configura na ausência de reconhecimento social e simbólico, lançados que estão ao desamparo.

Não obstante tudo isso, a juventude é ainda glorificada como a representação do que seria o melhor dos mundos possíveis. A adolescência seria então a condensação simbólica de todas as potencialidades existenciais. Contudo, se fazemos isso é porque não apenas queremos cultivar a aparência juvenil, por meio de academias, de cirurgias plásticas e da medicina estética enfim, uma vez que o código de experimentação que caracterizou a juventude de outrora se disseminou para a idade adulta e mesmo para a terceira idade.

E o que um dia foi um conceito vivo, real e concreto de juventude, feneceu, e passou a constituir-se assim numa efetiva adolescência sem fim na tradição e no imaginário ocidental, onde se busca, doa a quem doer novas modalidades de realização existencial, consubstanciado no símbolo da juventude infinita.

Dr. Fernando Enéas de Souza
24/04/12


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