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CONTO DE FESTA JUNINA
Lua
Ele havia perdido uma aposta boba e para pagar, nada mais justo do que ser com algo bobo.
Ela estava toda, toda. Afinal, combinara com as amigas de todas irem como caipirinhas para a quermesse do bairro. Nada de anormal, se já não estivessem beirando os 30.
Só com o bigode verdadeiro, ele colocou uma camisa xadrez, que havia comprado numa liquidação, costurou – ele mesmo – retalhos em sua calça jeans e roubou um chapéu de palha de seu sobrinho cabeçudo.
Empolgada e rindo à toa, imaginava como seria a reação do pessoal do bairro. A última vez que se vestira a caráter para uma festa junina foi quando tinha 13 anos para dançar quadrilha na escola.
Pintando os dentes, até se empolgou com a idéia de se vestir como capiau, mas lembrou que na quermesse do bairro – que não tinha nada a ver com festa junina -, não teria ninguém vestido assim. Apenas ele.
Vestido de renda com babados, marias-chiquinhas nos cabelos, sardinhas desenhadas e o vermelho das bochechas realçavam seu visual. Não via hora de encontrar as amigas e ver como elas estavam.
Até que ele achou engraçado estar daquele jeito. Vendo que já estava quase no horário, pegou seu chapéu e um cigarrinho de palha, que ele mesmo fez – possuía experiência nisso -, e saiu.
Olhou pela enésima vez no espelho, não gostou muito, como 50 entre cada 10 mulheres, e saiu, pois já estava atrasada.
Chegando na quermesse, ele foi “recepcionado” pelos amigos, que riam da cara dele. Meio sem graça, meio se divertindo com aquilo, foi se acostumando com o ambiente. Só os freqüentadores da quermesse que não entendiam o que aquele caipira fazia ali.
Chegou ao local combinado com as amigas e se espantou com o que vira, pois ninguém estava a caráter. Apenas ela. As colegas começaram a gargalhar, dizendo que era brincadeira, pois não acreditaram que, logo ela, sairia daquele jeito na rua. Pensou em voltar, mas, sem saída, resolveu seguir daquele jeito.
Ao som de preto, favelado, mas que ninguém fica parado, ele curtia a quermesse até avistar o grupo de garotas. Com uma caipirinha no meio.
De longe, as meninas já a alertavam sobre seu “par”. Sem graça, pelo menos se conformou em não ser a única “ridícula” do local.
Com o funk no talo e com dois ETs na ‘quermesse’, as gozações transcorriam normalmente. Com cada um na sua. Os dois começaram a se olhar e lembrar dos tempos de quermesse de escola e das brincadeiras como acerte na lata, pau de sebo, pescaria, cadeia, entre outras que não existiam ali.
Nunca haviam se visto e nunca imaginaram se encontrar, em comum, apenas as vestes e as lembranças que povoavam suas mentes naquele momento: as quadrilhas de escola, os doces e salgados que os pais faziam para levar, as prisões na cadeia, onde rolavam os primeiros xavecos e beijos. No meio desses pensamentos, ele resolveu falar com ela.
Conversaram e trocaram telefones.
Ao som de Tati Quebra Barraco, foram embora, cada um para seu canto. Ela rodando, graciosa com seu vestido e suas chiquinhas. Ele com um capim no canto da boca e um sorriso no rosto.
O som de Boladona era ofuscado pelo “Pula Fogueira IáIá” que ecoava na mente de cada um naquele momento.