O ANDAR
Antônio Maria
Aconteceu na Avenida Copacabana, esquina de Santa Clara. Uma jovem senhora chamou o guarda e apontou o homem, encostado a um poste:
— Prenda este homem, que ele está se portando inconvenientemente.
Era um homem magro, pálido, vestido em casimira velhinha. Não tinha cara de gente má. Ao contrário, seus olhos eram doces e mendigos.
O policial segurou o homem pela lapela. O homem não se mexeu. Apenas levantou os olhos e perguntou:
- Por quê?
A senhora estava uma fúria e dizia num fôlego só:
— Há uma hora este cidadão me segue. Começou no lotação. Desceu quando eu desci. Entrei numa loja e ele entrou também. Andei um quarteirão e ele andou também. Entrei no mercadinho e ele entrou também...
— E lhe disse alguma coisa?
— Não. Só olhava.
O guarda soltou a lapela do homem. O homem agradeceu. O guarda dirigiu-se ainda à mulher:
— Mas ele só olhava?
— Sim. Mas olhava de maneira obscena.
O guarda perguntou, então, ao homem:
— Você olhava de maneira obscena?
— Sim. Não sei mentir. Mas qualquer um no meu lugar faria o mesmo. O senhor já viu ela andar?
O guarda viu depois, quando a mulher desistiu da prisão do seu espectador e foi andando. Não se deve explicar muito, mas é preciso que se diga: era uma moça brasileira. Uma moça de formato brasileiro, com movimentos brasileiríssimos. Dessas que deviam ter, como certos automóveis, uma tabuleta às costas, onde se lesse: "Amaciando".
08/01/1960
Texto extraído do livro "Benditas sejam as moças: as crônicas de Antônio Maria", Editora Civilização Brasileira - Rio de Janeiro, 2002, pág. 79, organização de Joaquim Ferreira dos Santos.
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