quinta-feira, 17 de março de 2011

A INICIAÇÃO DE PUREZINHA


Geraldo Bernardo

Quando falo de Purezinha sinto frêmitos. Começa na sola dos pés e segue arrepiando-me por inteiro. Este bramido me faz tão bem que penso ouvir o ciciar do paraíso. Seus olhos verdes parecem versos cheios de pastagens e o rosto lindo de se ver. Branco e rosado, seus lábios então? Parecem querer saltar na boca da gente, os dentes alvos tão iguais.

Ah! Meu Deus!

Conheci Purezinha através de seus irmãos, éramos colegas de faculdade. Ela devia ter pouco mais de treze anos. Seus cachos loiros pareciam fios de ouros faiscados ao céu. Já não era menina, sorria toda e jogava-se para trás mostrando-se mulher. Tamanha exuberância que envergonhava a gente, e, falava tão calma, tão pausadamente doce que todos calavam para ouvi-la.

Durante anos convivi com aquela doçura, amei-a profundamente, este meu desejo platônico nunca morreu. Veio o tempo e a estrada nos separou. Mesmo assim tive outros encontros com Purezinha. Certa feita, já era mãe, pediu-me que a levasse ao meu apartamento, alegava ir ao banheiro, mas queria mesmo era fariscar coca. Nem assim pude (nem tentei) possuí-la.

Em meus dias de pândego, quando vivia de patuscadas, encontrei-a por diversas vezes. Foi a hippie mais original que já vi. Muito além de Hair, mais doce que a “tigresa de unhas negras”. Milos Forman com certeza trocaria Beverly D'Angelo por ela e Al Pacino então...

Dia desses fiquei triste, soube que Purezinha conheceu um tal Ramón, numa viagem que fez ao Peru. E, ao voltar da velha montanha dos Incas trouxe na bagagem o mancebo, raro exemplar quéchua. Andava toda feliz até começar aparecer com hematomas, em seguida fez um aborto. Quase fui procurá-la, daria meu ombro, faria qualquer coisa para ajudá-la. Nada fiz.

Mas, como ninguém fica desamparado neste mundo de Deus, quando menos esperava, reencontrei Purezinha. Era terça de carnaval. Eu seguia pelas ruelas enlameadas e escuras, tal qual a Praça de Eventos.

Minha cabeça ainda mais desorganizada que a Liga das Escolas de Samba, estava realmente um bagaço psicológico, triste em ver o quanto a politicalha dos homens tenta destruir as aspirações dos verdadeiros foliões.

Todos meus pensamentos surdos e fétidos misturavam-se as fezes que desciam como córrego na Rua Herotildes Serafim, foi naquele ambiente marginal que, ao levantar a vista, a vi, reluzia ao toque dos pingos de chuva fina.

Trajava um velho e colorido vestidinho de seda javanesa, não usava sutiã e o tecido colado ao corpo mostrava toda sua exuberância trêmula de frio. Imaginem o susto, quase pifava “esse comboio de corda que se chama coração”.

Ao reconhecê-la fui desmontando meu disfarce, o chapéu, os óculos, a falsa gola, a jaqueta, tudo fui tirando ali mesmo, enquanto a mirava. Purezinha  correu para meu abraço e beijou-me cheia de obscenidades e bafo de cachaça, estava gelada e arrebitada, uma agressão de mamilos.

Refeitos de nosso encontro, disse-me que precisava de minha ajuda espiritual, levei-a meio que secretamente aos meus aposentos. Aquele momento merecia uma de minhas garrafas escondidas. Enquanto isso, Purezinha nuinha se enroscava numa de minhas camisas suadas e jogadas ao acaso.

No afã de manter ilibada a minha imagem de pegureiro, fui dizer-lhe que sua presença precisava ser muito bem explicada. Pois, meus fiéis não iriam acatar que eu rompesse com um dos principais dogmas que mesmo instituí – o celibato.

Mal balbuciei tolamente, ela me pegou angelicalmente, explorou-me.  Contou-me suas histórias, encenou, insinuou-se, fez ferver todas minhas fantasias. Um perfume de incenso e lascívia aquecia-nos vorazmente. Os meus sentidos já não eram meus, tudo era só Purezinha. O ambiente tomado por aquela atmosfera que mora nos romances picantes.

E, na fruição desmedida, suamos de tal maneira que parecíamos expelir o aroma dos muares no coito, golfei-a com todo meu amor.

Busquei retomar minha identidade, quase perdida, fiz o café mais cedo e fiquei aguardando Zé Pezão com suas indiscretas observações. Divaguei mirando as imagens que se formavam na fumaça da xícara. Fiquei perdido um tempo imensurável e fugidiço.

Purezinha chegou-me lentamente e disse:
- Não se preocupe, ficarei ao seu lado, tudo já está consumado. Dirás que sou uma fiel seguidora de teus preceitos. Terei comportamento exemplar, serei uma de tuas vestais, guardarei teu fogo, velarei teus sonhos mais calientes.

Vá! Dizei aos teus fiéis que me encontrou perdida no deserto da vida, confirmarei tuas previsões, serei tua. Entendo como sabes fingir, o mundo é todo nosso que sabemos tal arte. Este teu disfarce não é assim tão original, por isso te achei e quero que dividas comigo todos os louros (e loiras) que terás. Afinal, pensavas que não te encontraria?

Purezinha sempre fala assim; cheia de meiguice e ameaça de cumplicidade e chantagem, mas é a única que me entende.

Veja mais da lavra de Geraldo Bernardo aqui: http://www.matutoberadeiro.blogspot.com/

2 comentários:

Onde Pousam as Borboletas disse...

Olá Fatita! Recebi de presente um selo e gostaria de ofertá-lo também a você. Passe em meu Blog e pegue o seu. Ótimo sábado!

http://andreacristinaescritos.blogspot.com/2011/03/homenagem-especial.html

Fatita Vieira disse...

Andrea,

Agradeço o mimo, de coração!

Sou uma simples blogueira e não uma escritora e poeta como você.

Fiquei honrada com o selo.

Beijos!