TODOS OS CARNAVAIS
Clóvis Campêlo
Atrás de Vassourinhas só não vai quem já morreu. E
como eu ainda estou vivo, estarei lá. Já comi o meu pão com brometo logo cedo,
para induzir ao barato. O pão que o diabo não amassou. Agora só resta cair em
campo e registrar a folia com a máquina e as retinas. Pra falar a verdade, de
folião só tenho o olhar e a vontade. Falta-me o fôlego, o resfolegar, o pique.
Na verdade, gosto de aprisionar o carnaval nas
molduras das minhas fotografias, nas metáforas dos meus textos, nas imagens
definitivas do passado entendido e dominado.
Mas, o carnaval não é apenas eu. O carnaval é todo
um contexto, um pretexto para se quebrar o nexo e liberar os mais sinceros
anseios, a mais patética alegria. Na verdade, o carnaval é muito mais do que o
baticum insistente das alfaias, dos tamborins, dos bumbos e taróis. O carnaval
é a porta de entrada do éden, a quebra dos protocolos, um ensaio malamanhado da
liberdade. O carnaval é tudo isso. Porém, só vim a perceber esse lado das
coisas há algum tempo atrás.
Antes, aprisionado por sentimentos de culpa
pequenos-burgueses, achava que o carnaval era o ópio do povo. E enquanto o povo
ria na rua a sua alegria vadia, eu chorava pensando em como seria bom
libertá-lo daquela alienação degradante. Alimentava o choro valendo-me de tudo:
ditos bíblicos, dogmas marxistas, histerias freudianas.
No entanto, quiseram os deuses que eu sobrevivesse
ao auto-flagelo e encarasse de frente a minha covardia diante da felicidade. Ser
feliz só nos custa a tristeza, sussurrou-me um anjo escroto no dia em que me
perdi de mim mesmo. E naquele caminho torto, troncho e trôpego, brilhou uma luz
no fim do túnel, brilhou a estrela Dalva sobre a minha cabeça frágil.
Um outro anjo safado, um chato de um querubim,
executou uma música apressada em seu clarinete, uma música repleta de mínimas e
semimínimas, e apresentou-se um outro cenário à minha mente conturbada.
Enxergar tudo isso custou-me os olhos da cara e a escuridão da alma. Foi caro.
Foi claro. Foi límpido.
Assim, livrei-me da canga e das cangalhas, dancei
que nem uma guariba, cheguei em maracangalha. E lá, amigo dos rei e dos poetas,
ensarilhei as armas e ensaiei o hino dos novos tempos. Naquela terra mágica,
subi e desci ladeiras, acompanhei galos, elefantes e pitombeiras, descansei na
praça do jacaré, cercado de anjos cretinos, revolucionários, alegres e
libertários.
E quando os meus pés cansados sentiram o calor das
areias mornas da praia do Carmo, percebi que a transformação se dera de maneira
irrevogável, irresistível, irreversível, irretratável.
Despi-me dos pudores remanescentes e mergulhei no
mar de tranquilidade que se formou no meu íntimo.
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