"EU
NASCI EM PAÍS ERRADO!"
Alberto Villas
Fiquei sabendo
que o nome completo dela é Noêmia Pereira Lins. Fiquei sabendo também que tem
74 anos e um filho chamado Júlio, tamanha a confusão que ela aprontou naquela
manhã de segunda-feira numa agência bancária da Rua Clélia, na Lapa.
Dona Noêmia era
a segunda da fila de prioritários e quando chegou a sua vez, entregou ao caixa
um cheque de 200 reais, nominal. Assim que o caixa pediu a carteira de
identidade dela, a confusão se formou. Ela tinha esquecido o documento em casa
e disse que por nada nesse mundo iria voltar até a Rua Aurélia para buscar a
carteirinha verde dela.
- Alguém aqui
duvida que eu me chamo Noêmia Pereira Lins?
Para um motoboy
que olhou meio enviesado, ela encarou.
- Eu tenho 74
anos de idade, meu filho!
Ela olhou um a
um naquela fila enorme e ninguém teve a coragem de abrir a boca. Quem era eu
para duvidar que aquela senhora nervosa não era a Dona Noêmia? O ambiente que
já estava quente, sem ar condicionado, piorou ainda mais.
O caixa, sem
saber muito o que fazer, apenas franzia a testa na certeza de que sem a
carteira de identidade aquela senhora prioritária não descontaria o cheque
nominal, assinado por seu filho Júlio, que ela fez questão de anunciar em alto
e bom tom.
O cheque está
assinado por Júlio, meu filho legítimo!
Depois de olhar
novamente um a um na fila, perguntou:
- Eu tenho cara
de querer roubar 200 reais desse banco?
Dona Noêmia
ensaiou falar com a gerente mas, não sei por que cargas d’água se deu por
vencida. Não sei se ela foi até a Rua Aurélia buscar o documento, mas sei que
saiu furiosa repetindo três vezes a frase:
- Eu nasci em
país errado!
Mas antes de
sair, quase que trombou na porta giratória porque, nervosa, não percebeu que
estava querendo sair por onde as pessoas entram.
Como ainda
faltavam seis pessoas para eu ser atendido, fiquei ali na fila imaginando em
que país poderia ter nascido a Dona Noêmia, já que ela disse ter nascido em
país errado?
Na França, com
seus crepes de Grand Marnier, seus croissants au beurre e suas madeleines?
No Japão, onde
até os policiais fazem curso de arranjos florais?
Na Síria, das
paredes perfuradas por balas perdidas e destruída pela guerra?
Na Noruega, com
suas ruas geladas e suas casas de jazz onde se apresentam os músicos da ECM?
Na Costa do
Marfim, com suas sopas apimentadas servidas no meio da rua na hora do almoço?
Na Turquia, com
seus engraxates luxuosos lustrando sapatos em cada esquina?
Na Inglaterra de
Jamie Oliver? No Quênia de Paul Tergat? Na Colômbia de Gabriel Garcia Márquez?
Na Argentina de Messi?
Em que país
poderia ter nascido Dona Noêmia? Na Alemanha de Günter Grass? Na República
Checa de Václav Ravel? Na Polônia de Lech Walesa? Na Rússia de Vladimir Putin?
Ou na República dos Camarões de Roger Milla?
Tenho certeza
que Dona Noêmia saiu do banco, pegou a Rua Clélia e dobrou na Aurélia. Não sei
se ela foi pensando por que não nasceu na Finlândia, na Holanda ou no Zâmbia.
Se essa fila demorar muito, tenho certeza que daqui a pouquinho ela estará aqui
de volta com o cheque e o documento na mão. Que figura, essa Dona Noêmia do
Brasil.
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