QUANDO A PACIÊNCIA SE ESGOTA
José Calvino de Andrade Lima
Essa aconteceu nos anos 50, no Recife.
Havia, na subida do Alto José do Pinho, bairro de Casa Amarela, uma horta, cujo
dono era apelidado de “Seu Cu”. Não gostava, é claro, de ser chamado de “Seu...”,
mas desde menino, os moleques dos Morros e adjacências, onde quer que o
encontrassem, chamavam:
- “Seu Cu”, tem alface?
- “Seu Cu”, tem quiabo?
O dito cujo já estava com seus
quarenta e poucos anos de idade e os meninos continuavam zombando dele...
Um dia, não mais aguentando meteu bala
num dos zombeteiros e matou-o na hora. A família da vítima era rica; a do
“Seu..., pobre.
Não houve jeito de encontrar um
advogado para defendê-lo, pois o crime contava com muitas testemunhas.
Depois de apelarem para advogados, sem
sucesso algum, resolveram procurar um tal de 'Zé Cachaça', advogado que há
muito tempo deixara a profissão, pois, como o próprio apelido indicava, vivia
de porre.
Pois não é que o 'Zé Cachaça' aceitou
o caso? Passou a semana anterior ao julgamento sem botar uma gota de pinga na
boca!
Na hora de defender o seu
constituinte, ele começou a sua peroração assim:
- Meritíssimo juiz, honrado promotor,
dignos membros do júri.
Quando todo mundo pensou que ele ia
continuar a defesa, ele repetiu:
- Meritíssimo juiz, honrado promotor,
dignos membros do júri.
Repetiu a frase mais uma vez e foi
advertido pelo juiz:
- Peço ao advogado que, por favor,
inicie a defesa.
Zé Cachaça, porém, fingiu que não
ouviu e:
- Meritíssimo juiz, honrado promotor,
dignos membros do júri.
E o promotor:
- A defesa está tentando ridicularizar
esta corte!
O juiz:
- Advirto ao advogado de defesa que se
não apresentar imediatamente os seus argumentos...
Foi cortado por Zé Cachaça, que
repetiu:
- Meritíssimo juiz, honrado promotor,
dignos membros do júri.
O juiz não agüentou:
- Seu bêbado irresponsável, está
pensando que a justiça é motivo de zombaria? Ponha-se daqui para fora antes que
eu mande prendê-lo.
Foi então que o Zé Cachaça disse:
-Senhoras e Senhores jurados, esta
Corte chegou ao ponto em que eu queria chegar...
Vejam que: se apenas por repetir
algumas vezes que o juiz é meritíssimo, que o promotor é honrado e que os
membros do júri são dignos, todos perderam a paciência, consideraram-se
ofendidos e me ameaçaram de prisão, pensem então na situação deste pobre homem,
que durante quarenta anos, todos os dias da sua vida, foi chamado... tenho até
vergonha de... (dramatizando, começou a chorar) !
Moral da história, o réu foi
absolvido.
Obs: São relatos verídicos, mas o
apelido do advogado é ficcional.
Fonte: http://josecalvino.blogspot.com.br/2013/01/quando-paciencia-se-esgota.html
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