MORRER EM VIDA É FATAL
Nunca esqueci de uma senhora que, ao
responder por quanto tempo pretendia trabalhar, respondeu com toda a convicção:
“Até os 100 anos”. O repórter, provocador, insistiu: “E depois?”. “Ué, depois
vou aproveitar a vida”.
É
de se comemorar que as pessoas aparentem ter menos idade do que realmente têm e
que mantenham a vitalidade e o bom humor intactos – os dois grandes elixires da
juventude. No entanto, cedo ou tarde (cada vez mais tarde, aleluia),
envelheceremos todos. Não escondo que isso me amedronta um pouco. Ainda não
cheguei perto da terceira idade, mas chegarei, e às vezes me angustio por
antecipação com a dor inevitável de um dia ter que contrapor meu eu de dentro
com meu eu de fora.
Rugas, tudo bem. Velhice não é isso,
conheço gente enrugada que está saindo da faculdade. A velhice tem armadilhas
bem mais elaboradas do que vincos em torno dos olhos. Ela pressupõe uma
desaceleração gradativa: descer escadas de forma mais cautelosa, ser traída
pela memória com mais regularidade, ter o corpo mais flácido, menos frescor nos
gestos, os órgãos internos não respondendo com tanta presteza, o fôlego
faltando por causa de uma ladeira à toa, ainda que isso nem sempre se cumpra:
há muitos homens e mulheres que além de um ótimo aspecto, mantêm uma saúde de
pugilista.
A comparação com os pugilistas não é
de todo absurda: é de briga mesmo que estamos falando. A briga contra o olhar
do outro.
Muitos
se queixam da pior das invisibilidades: “Não me olham mais com desejo”. Ouvi
uma mulher belíssima dizer isso num programa de tevê, e eu pensei: não pode ser
por causa da embalagem, que é tão charmosa. Deve estar lhe faltando ousadia,
agilidade de pensamento, a mesma gana de viver que tinha aos 30 ou 40. Ela deve
estar se boicotando de alguma forma, porque só cuidar da embalagem não adianta,
o produto interno é que precisa seguir na validade.
Quem viu o filme Fatal deve lembrar do
professor sessentão, vivido por Ben Kingsley, que se apaixona por uma linda e
jovem aluna (Penélope Cruz) e passa a ter com ela um envolvimento que lhe serve
como tubo de oxigênio e ao mesmo tempo o faz confrontar-se com a própria
finitude. No livro que deu origem ao filme (O Animal Agonizante, de Philip
Roth), há uma frase que resume essa comovente ansiedade de vida: “Nada se
aquieta, por mais que a gente envelheça”.
Essa é a ardileza da passagem do
tempo: ela não te sossega por dentro da mesma forma que te desgasta por fora. O
corpo decai com mais ligeireza que o espírito, que, ao contrário, costuma
rejuvenescer quando a maturidade se estabelece.
Como
compensar as perdas inevitáveis que a idade traz? Usando a cabeça: em vez de
lutarmos para não envelhecer, devemos lutar para não emburrecer. Seguir
trabalhando, viajando, lendo, se relacionando, se interessando e se renovando.
Porque se emburrecermos, aí sim, não restará mais nada.
Autora: Martha Medeiros
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