Estação da Luz
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São Paulo 460
anos. Cada esquina, cada lugar, uma história
Roberto Grassi
Eu estava ali memorizando, na lista de lugares
marcantes desta cidade cosmopolita de São Paulo, e não poderia deixar de citar
primordialmente a minha querida Estação da Luz, onde passei alguns anos de
minha infância, acompanhando o meu velho pai que trabalhou no telégrafo Morse,
durante quarenta anos corridos (1915 a 1955).
Outro ponto de referência era o passeio pelo
Mercadão, na Rua da Cantareira, quando no meu tempo de juventude não havia
ainda o famoso sanduíche de pão com mortadela. Havia apenas os boxes dos
vendedores de peixes, das mercearias, dos hortifrutigranjeiros que distribuíam
suas mercadorias para os vários bairros de São Paulo.
Das suas ruas transversais, lembrei-me dos
retalhistas atacadistas de gêneros alimentícios, nas tardes ensolaradas da Rua
Santa Rosa, onde se podia sentir no ar o cheiro poeirento de aniagem e das
réstias de cebolas. Observava-se também, carroções e caminhões carregando e
descarregando as sacas de feijão, arroz, milho, batatas e outros cereais. Era
uma rua longa, toda feita de armazéns gerais, repletos de réstias de cebolas e
alho, dependuradas nas vigas de madeira sobre as paredes de cal esponjadas.
Vou caminhando também, em um declínio de tarde,
pelo Largo do Cambuci; desço o vale espremido da Rua Luiz Gama, até o
cruzamento com a Avenida do Estado. Vejo através daqueles cerros baldios
algumas cabras pastando ao longo do Rio Tamanduateí. Ali é um pedaço da Várzea
do Carmo que, costumeiramente, é inundado pelas enchentes do Rio Tamanduateí.
Mais a frente, próximo ao parque Dom Pedro II, no fim da Rua Tabatinguera,
havia o 4º regimento da 2º região militar, o quartel do G. Can. Au. Ae. 45
(Segundo Grupamento de Canhões Automáticos Antiaéreos 45 milímetros), onde em
1955 fiz o serviço militar.
Rezava antigamente a lenda que o prédio ali
existente teria sido originalmente um presente do imperador Dom Pedro I à
Marquesa de Santos, para promover encontros amorosos e mais tarde o local
abrigaria a sede do Seminário das Educandas e depois o do Hospício de Alienados
e, a partir da década de 1930, tinha sido tomado pelo comando militar do 2º
exército.
Mas continuamos caminhando por essas esquinas e
recantos de São Paulo. Detenho-me na esquina da Avenida Ipiranga com a Avenida
São João, no tradicional bar do “Jéca”. Era famoso nos anos 50 até 60. Ali era
o coração, a alma boemia da São Paulo antiga, onde todos os sábados e domingos
à noite havia uma concentração de músicos das casas de shows noturnas da
Avenida Ipiranga, da Rua dos Timbiras, da Avenida Rio Branco, da Conselheiro
Nébias, com seus inferninhos, da Rua dos Gusmões, da Rua Aurora, com seus bares
baratos da boca do lixo. Havia também o circuito da Cinelândia, com seus
cinemas majestosos, Marabá e Ipiranga, mais abaixo o luxuoso Cine Art-Palácio,
Cine Marrocos e Olido, República, Metro, Coral, Jussara, Rivoli e muitos
outros.
Ali naquela esquina mágica, pulsava o coração
paulistano. Dos restaurantes e das casas de lanches, como a Salada Paulista, a
Kibelândia, a Confeitaria Vienense, o Café Mocambo, a Casa do Sopão, do
Gigetto, o Bar Brahma na esquina da Ipiranga com a São João, a Padaria Ayrosa,
na esquina da São João com a Conselheiro Crispiniano, do famoso Ponto Chic que
abrigava no Largo do Paissandu, a fina flor da sociedade paulistana. Na esquina
da Rua dos Timbiras, era o encontro dos boêmios de plantão. No bar do espanhol,
ao lado do Cine Metro, era a reunião dos amigos da noite. Kito, Fernando,
Ismael, Hélio Souto, Jean Levi, Glauco, Milton Lozano, Claudio Toscano, Magro,
Dungão, Zé Janeiro, Zé Maria, Acácio, Zé Duarte, Henrique, Natali, e também
algumas vedetes do teatro Natal.
Ascendo um cigarro em frente ao Teatro Municipal. O
fósforo riscado já faz um efeito na noite quente. Estou em um largo arejado,
todo cinzento, de calçamento novo. Praça Dom José Gaspar. Aqui respiro São
Paulo. São Paulo todo espetado de pontas, São Paulo crescido para o alto, de
andares sobre andares do Edifício Itália. Aqui de cima, no último andar, a
vista é magnífica. Observo ao longe os tambores oxidados, negríssimos das
torres do Gasômetro. Ao longe se ergue o Pico do Jaraguá, nariz de São Paulo,
ladeado pelo serrado da Cantareira.
Vou escrevendo aos poucos sobre cada cantinho de
São Paulo, em suas ruas becos e esquinas nos bairros da Lapa, Vila Pompéia,
Alto da Lapa, Perdizes, Sumaré, Barra Funda, Água Branca, Vila Mariana,
Cambuci, Liberdade, Brás, Mooca, Ipiranga, Vila Anastácio, Vila Hamburguesa,
Cachoeirinha, Pirituba, Freguesia do Ó, Itaberaba, Vila Brasilândia, Cruz das
Almas, Peri Alto, Morro Grande, Jaraguá, Caieiras, Perus, Franco da Rocha,
Francisco Morato, Mandaqui, Santana, Santa Teresinha, Tucuruvi, Horto
Florestal, Lauzane Paulista, Tremembé, Água Fria, Pinheiros, Santo Amaro, Capão
Redondo, Valo Velho, Alto da Boa Vista, Vila Nova Conceição, Itaim Bibi,
Ibirapuera, Moema, Vila Santa Catarina, Penha de França, Tatuapé, Cangaíba,
Vila Esperança, Butantã, Vila Sônia, Morumbi, Centro Velho e Centro Novo, em
todos esses lugares que um dia deixei marcados, em suas ruas, becos e esquinas,
com a minha presença.
Praça Antonio Prado. Rua Boa Vista. Desço a ladeira
Porto Geral. Lá em baixo Rua 25 de Março. O reino das bugigangas, das cangas e
miçangas, bagatela boa e barata, dos tecidos, dos armarinhos, sabonetes e
lavandas, sandálias e berloques, atacadistas estabelecidos entre meias paredes,
todos com as mesmas finalidades. Ali ninguém teme a concorrência. Tudo ali é
turco. São todos os turcos feitos em São Paulo. Miscigenação de raças, que
aportaram em Santos e subiram a serra em busca de oportunidades nesta cidade
gigantesca, berço de várias etnias, que aqui convivem harmoniosamente entre
si.
Hoje, mais uma vez, São Paulo está aniversariando.
460 anos. Parabéns a você, minha cidade querida. Deixo aqui nesta terra um
pedaço de minha vida. Caminhos por mim percorridos, durante vários anos de
existência, que marcaram para sempre, indelevelmente, a sua presença histórica,
sobre os últimos lampejos de algumas derradeiras facetas deste autêntico São
Paulo de Piratininga que eu aqui vivi.
E-mail: jr_grassi@yahoo.com.br
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