sábado, 25 de janeiro de 2014

PORQUE HOJE É SÁBADO...

Estação da Luz

São Paulo 460 anos. Cada esquina, cada lugar, uma história

Roberto Grassi

Eu estava ali memorizando, na lista de lugares marcantes desta cidade cosmopolita de São Paulo, e não poderia deixar de citar primordialmente a minha querida Estação da Luz, onde passei alguns anos de minha infância, acompanhando o meu velho pai que trabalhou no telégrafo Morse, durante quarenta anos corridos (1915 a 1955). 

Outro ponto de referência era o passeio pelo Mercadão, na Rua da Cantareira, quando no meu tempo de juventude não havia ainda o famoso sanduíche de pão com mortadela. Havia apenas os boxes dos vendedores de peixes, das mercearias, dos hortifrutigranjeiros que distribuíam suas mercadorias para os vários bairros de São Paulo. 

Das suas ruas transversais, lembrei-me dos retalhistas atacadistas de gêneros alimentícios, nas tardes ensolaradas da Rua Santa Rosa, onde se podia sentir no ar o cheiro poeirento de aniagem e das réstias de cebolas. Observava-se também, carroções e caminhões carregando e descarregando as sacas de feijão, arroz, milho, batatas e outros cereais. Era uma rua longa, toda feita de armazéns gerais, repletos de réstias de cebolas e alho, dependuradas nas vigas de madeira sobre as paredes de cal esponjadas.

Vou caminhando também, em um declínio de tarde, pelo Largo do Cambuci; desço o vale espremido da Rua Luiz Gama, até o cruzamento com a Avenida do Estado. Vejo através daqueles cerros baldios algumas cabras pastando ao longo do Rio Tamanduateí. Ali é um pedaço da Várzea do Carmo que, costumeiramente, é inundado pelas enchentes do Rio Tamanduateí. Mais a frente, próximo ao parque Dom Pedro II, no fim da Rua Tabatinguera, havia o 4º regimento da 2º região militar, o quartel do G. Can. Au. Ae. 45 (Segundo Grupamento de Canhões Automáticos Antiaéreos 45 milímetros), onde em 1955 fiz o serviço militar. 

Rezava antigamente a lenda que o prédio ali existente teria sido originalmente um presente do imperador Dom Pedro I à Marquesa de Santos, para promover encontros amorosos e mais tarde o local abrigaria a sede do Seminário das Educandas e depois o do Hospício de Alienados e, a partir da década de 1930, tinha sido tomado pelo comando militar do 2º exército.

Mas continuamos caminhando por essas esquinas e recantos de São Paulo. Detenho-me na esquina da Avenida Ipiranga com a Avenida São João, no tradicional bar do “Jéca”. Era famoso nos anos 50 até 60. Ali era o coração, a alma boemia da São Paulo antiga, onde todos os sábados e domingos à noite havia uma concentração de músicos das casas de shows noturnas da Avenida Ipiranga, da Rua dos Timbiras, da Avenida Rio Branco, da Conselheiro Nébias, com seus inferninhos, da Rua dos Gusmões, da Rua Aurora, com seus bares baratos da boca do lixo. Havia também o circuito da Cinelândia, com seus cinemas majestosos, Marabá e Ipiranga, mais abaixo o luxuoso Cine Art-Palácio, Cine Marrocos e Olido, República, Metro, Coral, Jussara, Rivoli e muitos outros.

Ali naquela esquina mágica, pulsava o coração paulistano. Dos restaurantes e das casas de lanches, como a Salada Paulista, a Kibelândia, a Confeitaria Vienense, o Café Mocambo, a Casa do Sopão, do Gigetto, o Bar Brahma na esquina da Ipiranga com a São João, a Padaria Ayrosa, na esquina da São João com a Conselheiro Crispiniano, do famoso Ponto Chic que abrigava no Largo do Paissandu, a fina flor da sociedade paulistana. Na esquina da Rua dos Timbiras, era o encontro dos boêmios de plantão. No bar do espanhol, ao lado do Cine Metro, era a reunião dos amigos da noite. Kito, Fernando, Ismael, Hélio Souto, Jean Levi, Glauco, Milton Lozano, Claudio Toscano, Magro, Dungão, Zé Janeiro, Zé Maria, Acácio, Zé Duarte, Henrique, Natali, e também algumas vedetes do teatro Natal.

Ascendo um cigarro em frente ao Teatro Municipal. O fósforo riscado já faz um efeito na noite quente. Estou em um largo arejado, todo cinzento, de calçamento novo. Praça Dom José Gaspar. Aqui respiro São Paulo. São Paulo todo espetado de pontas, São Paulo crescido para o alto, de andares sobre andares do Edifício Itália. Aqui de cima, no último andar, a vista é magnífica. Observo ao longe os tambores oxidados, negríssimos das torres do Gasômetro. Ao longe se ergue o Pico do Jaraguá, nariz de São Paulo, ladeado pelo serrado da Cantareira.

Vou escrevendo aos poucos sobre cada cantinho de São Paulo, em suas ruas becos e esquinas nos bairros da Lapa, Vila Pompéia, Alto da Lapa, Perdizes, Sumaré, Barra Funda, Água Branca, Vila Mariana, Cambuci, Liberdade, Brás, Mooca, Ipiranga, Vila Anastácio, Vila Hamburguesa, Cachoeirinha, Pirituba, Freguesia do Ó, Itaberaba, Vila Brasilândia, Cruz das Almas, Peri Alto, Morro Grande, Jaraguá, Caieiras, Perus, Franco da Rocha, Francisco Morato, Mandaqui, Santana, Santa Teresinha, Tucuruvi, Horto Florestal, Lauzane Paulista, Tremembé, Água Fria, Pinheiros, Santo Amaro, Capão Redondo, Valo Velho, Alto da Boa Vista, Vila Nova Conceição, Itaim Bibi, Ibirapuera, Moema, Vila Santa Catarina, Penha de França, Tatuapé, Cangaíba, Vila Esperança, Butantã, Vila Sônia, Morumbi, Centro Velho e Centro Novo, em todos esses lugares que um dia deixei marcados, em suas ruas, becos e esquinas, com a minha presença.

Praça Antonio Prado. Rua Boa Vista. Desço a ladeira Porto Geral. Lá em baixo Rua 25 de Março. O reino das bugigangas, das cangas e miçangas, bagatela boa e barata, dos tecidos, dos armarinhos, sabonetes e lavandas, sandálias e berloques, atacadistas estabelecidos entre meias paredes, todos com as mesmas finalidades. Ali ninguém teme a concorrência. Tudo ali é turco. São todos os turcos feitos em São Paulo. Miscigenação de raças, que aportaram em Santos e subiram a serra em busca de oportunidades nesta cidade gigantesca, berço de várias etnias, que aqui convivem harmoniosamente entre si. 

Hoje, mais uma vez, São Paulo está aniversariando. 460 anos. Parabéns a você, minha cidade querida. Deixo aqui nesta terra um pedaço de minha vida. Caminhos por mim percorridos, durante vários anos de existência, que marcaram para sempre, indelevelmente, a sua presença histórica, sobre os últimos lampejos de algumas derradeiras facetas deste autêntico São Paulo de Piratininga que eu aqui vivi.




Nenhum comentário: