domingo, 28 de abril de 2013

PRESENTE DE DOMINGO...


NEL MEZZO DEL CAMIM...

Olavo Bilac

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.



domingo, 21 de abril de 2013

PRESENTE DE DOMINGO...


AMOR SACRÍLEGO

Vera Lúcia Kalaari

No meu negro pretérito já passado
Há a sombra triste dum amor imenso.
Imenso mas cruel por ter deixado
O perfume doce do seu incenso.

Amei-o, sim, em doce chama
Meu coração de menina lhe concedi.
Perdi a fé, a paz, perdi a alma,
E era um sacrilégio amar assim.

Era um sacrilégio, mas no seu todo,
Nosso amor era um raro sortilégio…
Criamo-lo neve e era lodo,
Criamo-lo santo e era sacrilégio.

Esse amor, esse amor, foi todo meu.
Em mim, seus laços ficaram impressos.
Nosso amor era luz e era sombra
E eram prantos e risos os nossos beijos.

E foi um sacrilégio e foi loucura
Foi loucura de amor, foi um lamento,
Como um hino imenso de amargura
Como um imenso, lento tormento.

Imagem Google


sábado, 20 de abril de 2013

PORQUE HOJE É SÁBADO...


UMA PULGA NA CAMISOLA

Max Nunes

Era tão azarado que, se quisesse achar uma agulha no palheiro, era só sentar-se nele.

A prova de que o balé dá sono na platéia é que os artistas entram sempre na ponta dos pés.

Não é que as moças de hoje sejam mais bonitas. É que as de ontem já deixaram de ser.

O caqui não passa de um tomate diabético.

Quem pede a palavra nem sempre a devolve em condições.

No Nordeste, a seca é tão braba que são as árvores que correm atrás dos cachorros.

O jipe é o maior esforço feito pelo homem para chegar à mula mecanizada.

O casamento é como a pessoa que quer tomar um copo de leite e compra uma vaca.

O casamento é o único jogo que acaba mal sem que ninguém ponha a culpa no juiz.

Os homens casados se dividem em três categorias: os polígamos, os bígamos e os chateados.

Com as ruas esburacadas desse jeito, é preciso ser muito virtuoso para não dar um mau passo.

O difícil de confundir alhos com bugalhos é que ninguém sabe o que são bugalhos.

O motivo pelo qual o povo não consegue mais comer de garfo e faca é que há muita gente comendo de colher...

Já tinha oito anos e não bebia uísque, não dançava rock e não fumava maconha. Era um retardado mental.

Democracia é aquele regime pelo qual qualquer cidadão pode ser presidente da República, menos eu e você, naturalmente.

Duplicata é uma coisa que sempre vence. Nunca empata.

Houve um tempo no Brasil em que ninguém tinha dinheiro. É hoje.

Há casais que se detestam tanto que não se separam só pra um não dar esse prazer ao outro.

O eleitor, obrigatoriamente, tem que ser qualificado. O candidato, não.

Personalidade é aquilo que uma pessoa tem quando não está precisando do emprego.

Algumas mulheres são tão feias que deviam processar a natureza por perdas e danos.

Quando a mãe informou aos filhos que ia conferir um prêmio ao mais obediente da casa, todos gritaram ao mesmo tempo: "É o papai!".

Ah, o que seria do governo se o povo pudesse falar pela boca do estômago!

Já foi o tempo em que a união fazia a força. Hoje a União cobra os impostos e quem faz a força é  você.

A prova de que tudo subiu de preço é que até uma coroa já é cara.

Uma camisa nova tem sempre um alfinete além daqueles que você já tirou.

Opinião é uma coisa que a gente dá e, às vezes, apanha.

Na praia é que a gente nota que esse negócio de vacina pega mesmo.



Imagem Google 


sexta-feira, 19 de abril de 2013

domingo, 14 de abril de 2013

PRESENTE DE DOMINGO...

Abiezer Agudelo – Rutas Subjetivas

MORRO DO QUE HÁ NO MUNDO

Cecília Meireles

Morro do que há no mundo:
do que vi, do que ouvi.
Morro do que vivi.
Morro comigo, apenas:
com lembranças amadas,
porém desesperadas.
Morro cheia de assombro
por não sentir em mim
nem princípio nem fim.
Morro: e a circunferência
fica, em redor, fechada.
Dentro sou tudo e nada.


sábado, 13 de abril de 2013

PORQUE HOJE É SÁBADO...



ONZE HOMENS CERCAM MULHER NA MADRUGADA

Marilene Felinto

Foram ao todo onze homens para uma única mulher, numa única madrugada. "Você pensa que essas coisas nunca vão acontecer com você", a frase típica da mentalidade estreita das classes favorecidas, incapazes de entender que a vida são os acidentes, os imprevistos do meio do caminho. Não é necessário muita filosofia. Uma simples frase de letra de música de John Lennon diz: “a vida é o que lhe acontece enquanto você está ocupado fazendo outras coisas”.

Foram onze homens ao todo numa única madrugada. O carro pifou de repente, às duas da manhã na rua deserta, do bairro de classe média. A mulher teve um arrepio de horror: é agora que vou ser estuprada. O carro não respondia, acusando o defeito insondável.

São Paulo, gigantesca, ganhava dimensões assustadoras no eco silencioso da madrugada. O carro, pedaços e partes de lata, ferro e fluidos incompreensíveis, não respondeu.

A mulher desceu, só. Nessas horas, dependendo da mulher que se é, não haverá um homem a seu lado. O dela estava longe, no estrangeiro. Isso dava a exata noção de sua pior solidão. Quando olhava ao redor procurando sinal de vida. sentiu um início de desespero.

O carro, mudo, tinha virado um poste de concreto, um pedaço de asfalto, matéria inanimada que antes, funcionando, não parecia — o carro antes parecida gente, um homem grande, que a trazia de volta para casa a salvo. Dele dependia sua segurança pessoal, sua integridade física, sua vida. 

Era um desses casos de defeituosa inserção da tecnologia no domínio global da vida: o crescimento das grandes cidades, a escravização do homem pela máquina, a desorganização social. Ela seria estuprada em plena rua na madrugada.

Mas logo reagiu. Afinal, sempre tinha sido assim. Diante dos supostos perigos noturnos ela tinha, desde menina, desenvolvido fortalezas internas. Sua vida real, na época, era tão ruim que ela não temia sombras ocultas no escuro. 

Sempre enfrentou com desassombro os fantasmas que povoavam a infância. Aprendeu cedo a achar aquilo tudo mentira, pura mentira. Aprendeu cedo a achar que nada podia ser pior do que a própria vida real e as próprias pessoas.

Os primeiros homens para quem acenou por ajuda vinham numa motocicleta. Ela não viu que havia um terceiro a segui-los de carro. Pararam, um deles meio bêbado. Tentaram o tranco, sem violência. Os três seguintes estavam juntos num carro de luxo, que ela avistou de longe. Pararam. Um deles até ofereceu o celular, se ela quisesse pedir ajuda.

Os outros três eram feirantes já montando barracas para a feira do dia. Um deles, negro, fingiu-se de aleijado, saltitando numa perna só, ao perceber que ela vinha pedir ajuda. Ela riu. Os três empurraram o carro ao longo do trecho final.

Os últimos foram o porteiro e o zelador, que terminaram de acomodar o carro na garagem. Sentindo-se uma rainha, ela reprimiu o desejo de beijar na boca todos aqueles homens, gentis servos da noite. Afinal, arre! Como dizia um poeta, ela estava farta de semideuses. Havia, enfim, gente nesse mundo até possível.

Marilene Barbosa de Lima Felinto(1957) é natural do Recife (PE). Jornalista e escritora, colabora com diversos jornais e revistas nacionais. Entre seus livros podemos citar: “As mulheres de Tijucopapo” – Prêmio União Brasileira dos Escritores (1981) e Prêmio Jabuti (1982), “O lago encantado de Grongonzo”, “Postcard” e “Obsceno abandono”. Escreveu, também, um ensaio sobre Graciliano Ramos – “Outros heróis e esse Graciliano”, e traduziu obras de Virginia Wolf, Thomas Wolfe e Mariana Alcoforado, entre outros.

O texto acima foi extraído do livro “Figuras do Brasil – 80 autores em 80 anos de Folha”, PubliFolha – São Paulo, 2001, pág. 324.


quarta-feira, 10 de abril de 2013

FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO


OBRIGADO, FELICIANO!

Eduardo d´Albergaria

Há pelo menos 3 décadas, o fundamentalismo religioso vem ganhando espaço no Brasil de forma intensa e silenciosa. Conquistando lugares no parlamento, em cargos executivos, canais de televisão, os fundamentalistas transformaram suas empresas em verdadeiros impérios.
Atuam, sobretudo, nas periferias urbanas, praticamente abandonadas pela Igreja Católica, que até então promovia, nestas áreas, a Teologia da Libertação – isolada e perseguida pela Cúria Romana, que discordava de sua “opção pelos pobres” e pelo seu engajamento nas lutas por direitos.

Os fundamentalistas encontraram terreno fértil para sua pregação: legiões de “sobrantes”, acossados pelo desemprego, pela invisibilidade, pelo terror da violência urbana e policial, ávidos por discursos messiânicos e salvacionistas. No meio da barbárie  e na ausência de projetos coletivos, só mesmo a fé se mostra como caminho de saída do desespero.

Durante a ascensão do fundamentalismo religioso, uma marca sempre esteve presente nos discursos e pregações: a escolha de um inimigo a ser combatido. A velha estratégia de se criar um inimigo fora do grupo, para dar sentido a sua própria existência: uma “batalha espiritual” que divide o mundo entre o bem e o mal.

As primeiras vítimas dos discursos de ódio do fundamentalismo religioso foram as religiões de matriz africana, depreciadas como “rituais macabros”, “manifestações demoníacas”. O(A)s seguidore(a)s do Candomblé e da Umbanda não contaram com a solidariedade da sociedade brasileira. Sozinho(a)s tiveram poucas condições para resistir ao verdadeiro linchamento público a que foram submetido(a)s. Desorganizad@s politicamente, minoritári@s na sociedade e subalternizad@s por um preconceito que, de tão avassalador , sequer se reconhece sua existência: o racismo.

Essa fragilidade das religiões afro tem origem histórica.  Vítimas de uma abolição tutelada, os praticantes do candomblé e da umbanda tiveram, durante muito tempo, sua religiosidade considerada crime e só conseguiam manter abertos seus terreiros caso se  submetessem à proteção de um coronel que trocasse liberdade religiosa por votos.

Curiosamente, os mesmos fundamentalistas que os atacavam (e atacam) incorporam rituais em suas liturgias nos mesmos padrões das religiões de matriz africana. O que levou Vagner Gonçalves da Silva, professor de antropologia da USP, a afirmar: ”Combatem-se essas religiões [afro] para monopolizar seus principais bens no mercado religioso, as mediações mágicas e a experiência do transe religioso, transformando-os em valor interno do sistema neopentecostal.”

Nos últimos anos, os fundamentalistas religiosos resolveram intensificar sua campanha contra outro “inimigo” : os sexodivers@s – gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e todas as pessoas que vivem relações não procriativas (assim, também são rechaçados, em menor intensidade, os heterossexuais que realizam sexo anal e, em alguns casos, até o oral).

Utilizando-se de uma leitura biblica datada, os fundamentalistas controem um moralismo seletivo – não incorporam todas as proibições bíblicas: como, por exemplo, a de cortar o cabelo e a de comer frutos do mar …

Não à toa, os fundamentalistas escolheram este momento para intensificar seus ataques à comunidade sexodiversa: a governabilidade conservadora dos governos Lula/Dilma – que unificou, na mesma base de apoio, parlamentares “progressistas” e parlamentares fundamentalistas – fez com que muitos dos tradicionais aliados da diversidade sexual – parlamentares do PT, PC do B, PSB – se omitissem na disputa contra o fundamentalismo religioso, agora seu aliado na sustentação de governo. Resultado: deputados-pastores transformaram o plenário do Congresso e programas de TV em púlpitos de sua pregação de ódio e encontraram abandonado o cenário de disputa de valores. Some-se a isso que a resistência não tem vindo de fora do parlamento: o movimento LGBT hegemônico é hoje composto por ONGs que se encontram totalmente tragadas pela dependência ao Estado e reféns do Governismo. 

Enquanto isso, a comunidade sexodiversa está totalmente domesticada pelo mercado Pink. A maior vitória do neoliberalismo sobre a comunidade sexodiversa foi consolidar a ideia de que “chique é consumir”, que se engajar numa causa social e refletir sobre o mundo são coisas “cafonas” ou “pagar mico”.

Na esteira do medo e da culpa, os fundamentalistas tentam abrir um novo e lucrativo mercado: o da cura pela “Psicologia Cristã”. Como as normas do Conselho Nacional de Psicologia não reconhecem esta “reorientação de desejo”, os fundamentalistas tentam agora, por meio de sua bancada no Congresso Nacional, fazer uma intervenção no Conselho de Psicologia para mudar as normas da profissão.

Nessa sucessão de “batalhas espirituais”, os fundamentalistas também miraram os povos indígenas. Ressuscitando a velha retórica “missionária” de um povo a ser salvo pela “palavra cristã”, construíram relações bastante complicadas com os povos indígenas. Chegaram até mesmo a propor, no Congresso Nacional, um projeto que estabelece a visão de que os povos indígenas são infanticidas (até postaram no youtube um filme falsamente documental). Não por acaso, simultaneamente, abriram um vasto mercado de captação de recursos financeiros explorando adoções de crianças indígenas e o desconhecimento por estrangeiros da  realidade dos nossos mais de 220 povos nativos.

Também os usuários de substâncias psicoativas  foram alvo do proselitismo dos fundamentalistas. Na esteira da falência da “guerra às drogas” e na ausência de uma política de educação e saúde mental que construa a autonomia dos sujeitos frente a estas substâncias, os fundamentalistas multiplicaram outro mercado lucrativo: o da cura pela conversão. Em todo o país, “comunidades terapêuticas” recebem recursos públicos para sustentarem seu proselitismo religioso junto aos dependentes químicos.

Mas por que os fundamentalistas escolheram as religiões afro, @s sexodivers@s e os povos indígenas como seus inimigos? Por que não escolheram a religião católica, ainda majoritária no país e com a qual eles disputam espaço? 

Uma marca dos fundamentalistas é a covardia: eles só enfrentam inimigos muito mais frágeis que eles. Do total da população brasileira, 1,5% é de seguidores das religiões afro, 5 a 10%  se declaram homossexuais de %, e menos de 900 mil brasileir@s se declaram indígenas. Além de minoritários, esses grupos, têm sido historicamente estigmatizados e inferiorizados. 
  
Certamente, tão cedo, não veremos uma Santa ser chutada novamente por um pastor fundamentalista, mas terreiros seguem sendo violados Brasil a fora sem que isso cause grandes comoções.

O caminho da ascensão fundamentalista vem sendo trilhado sem qualquer resistência: exploração da fé de um povo dilacerado; constituição de um moderno curral eleitoral – transformando Cristo em Cabo Eleitoral –; influência crescente no Parlamento e nos executivos; poder crescente no oligopólio brasileiro de informação; comunidades terapêuticas, empresas de shows, editoras, isenção de impostos…

Uma trajetória que dilacera, aos poucos, nosso nunca integralmente conquistado Estado Laico: leis que, de forma crescente, estabelecem os valores dos fundamentalistas como obrigatórios para o restante da sociedade, proselitismo religioso nas escolas públicas, transferência de dinheiro público para subsidiar comunidades terapêuticas, dinheiro público para marchas para “Jesus”, dinheiro público para parques gospel

E a sociedade brasileira, passiva, assiste à ascensão do fundamentalismo.

Até que os fundamentalistas resolveram dar um passo “maior que suas pernas”: ter seu quadro político mais extremista como presidente da Comissão de Direitos Humanos.

Marco Feliciano é uma caricatura pesada demais para a sociedade brasileira. Além dos “tradicionais” ataques aos sexodivers@s, candomblecistas, umbandistas – que ele chegou até a pregar pelos “sepultamentos” –, o deputado-pastor vai além: ataca todos(as) os(as) negros(as) – classificando-os(as) como “amaldiçoados(as)” e resgatando teologia de tempos de apartheid – e as mulheres. que, e segundo ele, deveriam ser subalternizadas pelos homens.

O sectarismo de Feliciano alcança até mesmo os seguidores do catolicismo, que ele chamou de “religião morta e fajuta” e responsabilizou os católicos carismáticos pelo “avivamentos de satanás”. O deputado-pastor ainda vai mais longe:  na mercantilização da fé, promete milagres em troca de senhas de cartões de crédito e vende carnê da casa própria em plena sessão de transe espiritual. Faz uso de seu mandato público para fins privados: contrata pastores, produtores de vídeo e advogados para suas empresas. Demonstra total incapacidade para lidar com o debate democrático, já que, segundo ele, seus adversários seriam Satanás.

Feliciano é uma figura tão indefensável que seus pares (incluída a revista Veja), para protegê-lo, precisam construir as seguintes estratégias tangenciais, entre outras.

 1 – Trasformam o debate em uma briga pessoal entre Jean Wyllys e Feliciano. Tod@s @s deputad@s historicamente comprometidos com os Direitos Humanos são contrários a que um homofóbico racista esteja à frente da Comissão de Direitos Humanos. Por que só personificar em Jean Wyllys? Novamente, a costumeira covardia dos fundamentalistas: eles sabem que ainda há muita rejeição na sociedade ao fato de um homossexual ocupar um cargo público.

2 – Afirmam que é uma perseguição aos cristãos. Não é verdade: é crescente o número de cristãos que dizem não a Marco Feliciano. Mais de 150 pastores e lideranças evangélicas assinaram um manifesto em que solicitam a substituição da presidência da Comissão de Direitos Humanos. Esse pedido também foi feito pela Comissão Justiça e Paz da Cnbb e pelo Conselho de Igrejas Cristãs – que congrega a Igreja Católica, Luterana, Presbiteriana, Metodista e Anglicana.

3 – Tentam deslegitimar os movimentos contra Feliciano dizendo que seria mais importante lutar contra Renan e os mensaleiros. Ora, em quem os senadores fundamentalistas votaram para ocupar a presidência do Senado? E, entre os mensaleiros, não estava um dos parlamentares fundamentalistas, Bispo Rodrigues? Portanto, não há sentido em se relativizar uma luta fundamental, ainda mais quando isso é proposto por alguém que não constrói luta cidadã alguma…

Temos muito a “agradecer” a Marco Feliciano por provocar o surgimento de um movimento amplo e plural em defesa do Estado Laico. A sociedade Brasileira parece ter percebido finalmente o risco do Fundamentalismo Religioso.

A disputa em curso é muito maior do que a de quem irá presidir uma Comissão do Congresso.

A luta para derrubar Marco Feliciano é a materialização do confronto entre as posições em defesa  do Estado Laico e o Fundamentalismo Religioso. O que está em jogo é a opinião da sociedade sobre as liberdades individuais e religiosas, sobre a laicidade do Estado e sobre o perigo fascista do fundamentalismo religioso.

Para derrotar o fundamentalismo, não podemos subestimar seu poder. Seus quadros políticos são preparados e exibem grande capacidade de oratória e convencimento. Mas também seria um erro superestimar sua força. Entendê-los como todo-poderosos que não podem ser derrotados, criaria um sentimento paralisante na sociedade, que pouco contribuiria para o enfrentamento.

Então é importante conhecer, entre outros, os seguintes pontos de fragilidade dos fundamentalistas.

 1 – O debate sobre a imensa fortuna dos pastores (inclusive registrada pela revista “Forbes”) os deixa muito fragilizados:  não há “teologia da prosperidade” que explique que essa prosperidade só chegue para pastores, enquanto seus rebanhos seguem massacrados pelo capitalismo selvagem.

2 – Não é tão fácil quanto eles dizem mobilizar sua base social para uma disputa política aberta. Todas as vezes em que eles mobilizaram multidões foi em torno de temas religiosos mais gerais – as marchas são “para Jesus”, a rejeição ao PLC 122 entra como um tema “acessório”. Seu rebanho é composto de um público domesticado pelos poderes constituídos. Quem já o viu presente em um embate no Congresso sente dó daquelas pessoas que ficam acuadas por não entenderem plenamente o que está acontecendo. É verdade que, em tese, os fundamentalistas podem arrastar multidões para o embate público, mas seria uma manobra arriscada tirar essa gente dos currais do fundamentalismo e jogá-la no lugar do contraditório. Eles sabem que os argumentos deles só funcionam sem um contraponto de qualidade.

3 – Felizmente, eles ainda não têm um projeto de poder comum. Cada um tem seu próprio projeto de poder, e os projetos, muitas vezes, se chocam. Feliciano e outros estão jogando para nichos extremistas, ao passo que parlamentares fundamentalistas como Marcelo Crivela sonham em ocupar um cargo majoritário e, para isso, precisam ser mais “amplos”. Um acirramento de conflito, no patamar realizado por Feliciano, é ruim para os planos deles. E, mesmo dentro do mundo religioso, os fundamentalistas disputam territórios de forma bem pouco “elegante”: se hoje Malafaia e Feliciano se unem por senso de sobrevivência, até pouco tempo se matavam pelo controle da Assembleia de Deus. 

Embora os fundamentalistas não compartilhem um projeto de poder, eles agem segundo uma lógica política comum, o que dá lastro a uma articulação importante dentro do parlamento e à aliança recente para defender Feliciano. O perigo é que eles tenham tanto poder daqui a alguns anos, que comecem a aventar um projeto de poder comum.

4 – Os fundamentalistas dependem dos evangélicos conservadores não sectários para terem legitimidade  ao falar em nome do “povo evangélico”. No entanto, as lideranças conservadoras não confiam nos propósitos dos mercadores da fé, que, por isso, não podem ir longe demais nos embates, sob o risco de ficarem isolados no próprio mundo evangélico. 

5 – Dentro do movimento evangélico, há setores progressistas e inclusivos, hoje muito isolados, e que precisam ser mais visualizados para demonstrar à sociedade que existe sim evangélicos que não são intolerantes.  
É pensar essas contradições que dá caminhos mais firmes para o movimento pelo Estado Laico e contra Feliciano.

Dificilmente Feliciano sairá da presidência da Comissão. A não ser que se torne insuportável a pressão institucional crescente:  de seu partido; da Presidência da Câmara, que já se posicionou pela inviabilidade de Marco Feliciano continuar à frente da CDH; da Comissão de Ética, que, diante de uma representação do Psol, julgará o uso do mandato para fins privados.

Feliciano sabe muito bem que, a cada dia que ficar à frente da Comissão, ele ganhará mais votos de um eleitorado extremista.

Ainda que não seja fácil derrubar Feliciano, é fundamental que o movimento siga combativo:  que, a cada dia, os jovens tomem os corredores do Congresso e digam: “Feliciano não nos representa”, que, a cada dia que a CDH se reunir a portas fechadas por incapacidade de sua atual direção de dialogar com os movimentos sociais, a cada dia que uma audiência  se inviabilizar porque os convidados se negam a estar num espaço liderado por um fundamentalista, crescerá, na sociedade, a consciência do perigo do fundamentalismo religioso.

A cada dia que Feliciano fica à frente da Comissão,  cresce a Frente pelo Estado Laico , que já envolve artistas, lideranças religiosas, movimentos sociais, parlamentares e milhares de ativistas nas ruas e nas redes.  
Por isso sigamos insistentes e persistentes ….o tempo que for necessário!

E sejamos “justos”: “Obrigado, Feliciano, pelo nosso fortalecimento para combater o fundamentalismo. Nunca estivemos tão fortes e unidos. Obrigado.



Eduardo d´Albergaria (Duda) é Cientista Social, Especialista em Políticas Públicas (MPOG) e militante da Cia Revolucionária Triângulo Rosa.



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