Sábado de carnaval. Olinda amanhece luminosamente ensolarada. A brisa praieira dos Milagres sopra bandeirolas e enfeites, que ornamentam ruas, becos e sacadas. Cenário bonito, palco luzidio da buliçosa festa carnavalesca. A cidade desperta lentamente do sono madrugador e aos poucos se move, no badalar dos sinos seculares do Carmo, de São Pedro, do Mosteiro de São Bento, do Bonfim, da Sé, do Amparo, da igreja do Monte e do alto do Guadalupe. Um carroceiro apanha latas na Ribeira, um gari arrasta preguiçosamente a vassoura no Largo do Amparo, um ambulante carregado de mercadorias, sobe a Ladeira da Misericórdia. Um menino sonolento puxado pelo pai, atravessa o Varadouro rumo ao Umuarama. Uma senhora de cabeleira branca esvoaçada, da janela do sobrado, enquanto espera o jornal, contempla o novo dia que surge. Os minutos passam no galope do tempo, os ruídos cotidianos e o vozerio das ruas, fazem da cidade uma algaravia danada. Às 16 horas o troar dos fogos de artifício chama pelos foliões ansiosos, o clima esquenta no Clube Atlântico, a pipa de mil litros de batida, espécie de abre alas, começa a andar com Chico Chicória e Bartolomeu Pijama, o estandarte reluzente de vermelho e prata, aparece nas evoluções espetaculares de Setembrino e no passo cadenciado de Porquinho, relembrando o mestre octogenário Pedro Sapateiro. Vibram os primeiros acordes e a frase musical cantada a plenos pulmões: " eu vou este ano à lua ". Lá vem a Ceroula cinquentenária, a troça das multidões, a mais querida de Olinda, a troça do frevo no pé, que faz o chão tremer. Ninguém fica parado, o povo delira, pinotam meninos e meninas, homens se contorcem no passo acrobático do siricongado, corpos se chocam impulsionados pelo frevo arretado que a Ceroula tem. Senhores e senhoras se sacodem nas calçadas, acenam das janelas,entusiasmados pela onda frenética crescente, arrastada pela apimentada orquestra do maestro Oséas.É difícil imaginar que, tudo isso começou a 50 anos, como uma simples e despretensiosa brincadeira, quando os amigos Arthuzinho, Cabela, Gilvan, Jamones, Lucio e Lucilo, resolveram fundar a Ceroula, em 05 de janeiro de 1962, como uma troça masculinista, com o intuito de brincar o carnaval longe dos olhares das respectivas noivas e namoradas.
Com o passar dos anos e com o desaparecimento da troça rival O Pijama, alguns remanescentes se incorporaram à Ceroula, fortalecendo a agremiação. Outros foram convidados, aderiram por amizade, como o saudoso Roberval. Em 1969, o também saudoso boêmio seresteiro, Milton Bezerra de Alencar, numa grande farra no bar de Arthuzinho, acrescentou o item que faltava para o estrondoso sucesso da Ceroula. Compôs o Hino da Troça, de melodia simples e letra fácil, sem pretensões artísticas e seguramente um dos mais executados do carnaval de Pernambuco. É de arrepiar ver o povo tomado de emoção, entoar pelas ladeiras da velha Marim dos Caetés: "Eu vou este à lua, não é privilégio foguete já tem, eu quero ver se o carnaval de rua, Collins, Aldrin e Armstrong falavam que vai bem, eu quero ver se tem troça que escolha, como em Olinda que tem a Ceroula, mas se tiver para mim é legal, passarei lá na lua todo carnaval".
Nas décadas de 1970 / 1980, um grupo de jovens foliões deu início a segunda geração de ceroulenses, robustecendo ainda mais a troça. Albiérgio, o falecido amigo Fernandinho das Penas, Toinho Potó, Ranício, Eraldo Negão, Elisio, Ramos, Moreuza, Albertinho Sacristão e outros, contribuíram para garantir a continuidade da Ceroula. Em 1979, foi fundada a Ceroulinha, troça infanto juvenil, constituída por filhos, sobrinhos, netos e amigos da família ceroulense, verdadeiro celeiro de novos carnavalescos e que muito ajudou na consolidação definitiva da Ceroula. Marquinho Fuba, hoje presidente, Jr Borboleta, Herminho Timbu, Marinho Borboleta Gigante, Renato, Gilmar Santa, Marcio Mago, Felipe Borboleta Pequenina, Fal, Rafael, Hugo Borboletão,Matheus Teacher's, dentre outros, formam a nova geração de ceroulenses.Alguns oriundos da Ceroulinha; outros aderentes pela paixão a Ceroula e ao carnaval olindense.
Ao longo dos seus 50 anos, a Ceroula fez história, criou tradição e para isso contou com o apoio inestimável da sensibilidade feminina. Muitas foram as mulheres que trabalharam em prol da troça. Zeíla, Edinha, Geninha, Aninha Sapo e a nossa inesquecível Mabel, a primeira dama da Ceroula, permanentemente presente em nossos corações.
Olinda anoitece. O feitiço da Ceroula tomou conta da cidade. Uma multidão de foliões eletrizados formando um imenso cortejo, desce a rua 15 de Novembro, transpirando frevo por todos os poros. Momento apoteótico da celebração ceroulense no festejamento do seu meio século de vida.É o ato final do sábado de carnaval. Hora de recarregar as baterias, refazer as energias, espantar o cansaço e esperar a terça feira gorda com a Ceroula cinquentenária novamente na rua. Pega o pão com Cafezinho, Paulo, Tiago e Alciene.
Jairo Cabral é Diretor da Ceroula
Nenhum comentário:
Postar um comentário