domingo, 29 de janeiro de 2012

PRESENTE DE DOMINGO...

São Francisco de Assis

A ESPANTOSA ODE A SÃO FRANCISCO DE ASSIS

Vinicius de Moraes

1
Meu são Francisco de Assis, Francisco de Assim, poverello, ou como te chame a sabedoria dos povos e dos homens
Este é Vinicius de Moraes, de quem se podia dizer - o poeta - se jamais alguém o pudesse ser depois de ti.
2
Este é o impuro, o inconstante, o trágico, o leproso e possivelmente o morto
Que vem a ti o fiel, o calmo, o humano, o constante.
3
Este é o que sacrifica a vida pelo prazer da hora, e se desgraça
Que vem a ti que sacrificaste a vida pela eternidade e pela graça.
4
Este é o homem da mulher, o homem da carne, o homem da terra
E que te ama santo da Mulher, santo da Carne, santo da Terra.
5
Este é o que peca e não se arrepende, o supliciador e o criador do espasmo
E que te exalta irmão humilde e louco, confidente, e inventor do êxtase.
6
Este é o mágico do desespero, o inquisidor e o sedutor, o poeta triste
Que te proclama o rei, entre todos, amante sem mácula.
7
Meu são Francisco de Assis! acolhe teu amigo e teu criado
Que partiu para sempre e se perdeu, e nunca mais foi encontrado.
8
Tenho um mistério a te dizer, mas quem sabe não o ouvirias
Vendo-me criança - se é que eu fui criança um dia!
9
Ó dá-me teu sorriso, são Francisco, e me purifica
E liberta-me da vã palavra de sonho que me impurifica!
10
Eis que converti meu demônio a mim e meu anjo a mim
E me sinto demais em mim mesmo e quisera me despedaçar em ti.
11
Porque me sinto covarde de não poder dormir e precisar fechar a porta
Ao vento frio ou ao chamado sombrio da pureza morta.
12
És tu um dom da minha miséria e serias o mesmo
Se eu fosse como tu mesmo? - e te proclamaria?
13
E [...] porque amo a miséria em mim que me deposita em ti
Porque não fosse eu sombra não serias sol nem pensarias em mim.
14
E [ ... ] porque aceito minha depravação e faço a minha queixa sem piedade
E de todos tenho piedade menos de mim - e não há salvação para minha piedade
15
Sou digno como o animal nobre que morre em silêncio e sem lágrimas
E não tem limbo ou purgatório, céu ou inferno para a sua alma.
16
Mas sou impuro como a terra que recebe a consumação da carne
E astuto como o fogo e plástico como a água.
17
Meu são Francisco, ouve o meu voto e compreende o meu vazio
E me aquece do frio, e me protege do sonho sombrio.
18
Tu és a Palavra - a palavra inexistente - a poesia
Que eu busco sem tréguas, que busco de noite e que busco de dia.
19
Não creio em Deus mas creio em ti - Deus é minha melancolia
Tu és minha poesia - ou quando não seja o amor que ela se deseja
20
Tenho o lar e tenho o mar, e nada tenho
Tenho a emoção - tenho-a? - nem pranto mais blues.
21
Na verdade muitas coisas eu tenho, e muita razão de ser feliz
Se não existisses talvez - mas exististe, São Francisco de Assis!
22
És a infância não vivida, és a mocidade não merecida
És tudo de justo feito injusto pela catástrofe da vida.
23
Ninguém o sabe senão tu - nem mesmo eu sei! nesse momento
Meu pensamento é tédio mas amanhã pode ser contentamento.
24
Porque há em mim uma fonte pura de mal que me embriaga
De bem, mas que subitamente me estanca o que me falta.
25
É a mulher, essa que me suporta e que me acaricia
E a quem acaricio, e a quem eu rio e que se ri.
26
Não fosse ela, e eu estaria como Jó te mentindo,
Porque o poeta é a semente da mentira se, no desespero, só.
27
Dou-te meu voto além da mulher! é a criança que te fala
Quando subitamente se conheceu menino no grande silêncio de uma sala.
28
Quando brincando com o próprio sexo o surpreendeu sensível
E o viu inteligente e emocionado e não compreendeu.
29
E que criou sozinho a primeira forma nua para o prazer contemplativo
E que se deu a ela desvairado do mistério de se saber vivo.
30
E que a transportou na memória em amor e que foi traído
Pelo toque de outra mão menos pura e mais desmerecida.
31
E que foi seviciado antes do sêmen pela desventura
Feito mulher, e a perdoou, e a amou, e a fez sua criatura.
32
E que foi iniciado nos prazeres da carne como o inocente aprendiz
A quem a mulher diz - Faz! e ele faz, tal como eu fiz.
33
Antes do sêmen! e não morri - e bela fiz minha criatura
Eis por que não há salvação e eu amo a minha degradação e impostura.
34
Porque eu sou o sedutor, se seduzido, e o erótico, se seviciado
E o amante, se querido, e o perdido, se privilegiado.
35
Porque fazemos um - eu e a mulher - e não há dois arrependimentos
Para um só corpo - nem duas salvações para um só sentimento.
36
E se alguém não vem comigo eu não quero ir, porque não sou sozinho
E se eu fosse sozinho não estava nesse momento clamando de ti
37
Meu são Francisco de Assis! ouve tu ao menos a minha inefável miséria
Sem perdão e sem consolação e sem fim nos caminhos da Terra.
38
Ouve o apelo mais íntimo, o que não está nas minhas palavras
E que está no meu ser infeliz e no ser infeliz que eu crio à minha passagem.
39
O santo, o herói e o poeta - três penitências do mundo
Tu, santo, herói e poeta - uma penitência em mim.
40
Nunca te verei no céu, nem nunca me verás no inferno
Mas hei de te escutar no estio, e tu me escutarás no inverno.
41
Não me verás no céu porque não há paixão para a serenidade
Nem no inferno porque não há castigo para a fatalidade.
42
Mas eu te escutarei aqui na Terra, entre as grandes árvores
A cabeça no seio da amiga, e a quem eu falo como ao pássaro.
43
Um dia deixarei a cidade da minha angústia e sua torre
E irei a Assis entre colinas me abandonar à tua saudade.
44
E dá-me nesse dia de chorar todas as lágrimas contidas
E de me perder em mim o pranto e de me ajoelhar no teu sepulcro.
45
Ó grande santo louco, meu irmão, taumaturgo em minha alma
Taumaturgo - palavra que contém silêncio e que me acalma!
46
Just now I have been in a [ ... ] party in the Magdalen's cloister
And there was an Armenian [ ... ] all the others.
47
Good inocent peopte [ ... ] some liquor in their rooms
But was a bloody phantom between them, so help me God!
48
Eu sou o conhecimento perfeito das coisas e dos homens
Linchai-me! eu sei todos os segredos, e eu me abandono.
49
Nunca criatura criada foi tão pagã como eu, so help me God!
Arrastando meu ser à execração e à contemplação quieta da morte.
50
Em vão te direi - ou não? - porque não vens beber meu vinho
Na minha mesa, e poderíamos falar com mais carinho.
51
São Francisco de Assis! meu irmão, meu único inimigo
No céu, eu te maldigo, eu te bendigo. Eu me persigno!
52
Tive uma jetatura: a mulher; uma aventura: a poesia
Uma desventura: a delicadeza. Sou delicado, não peço, mendigo!
53
Mendigo: mendigo o pão de meus pais, o amor de meus amigos
Mas só a mulher me persegue e só à mulher eu persigo.
54
Santo! tenho gana de te dizer: foge de mim! evita o meu contato escuro
Porque eu sou puro na maldade e puro na sinceridade e impuro.
55
Quatro livros escrevi - e sou tão moço! e nada compreendo de mim
Senão que sou cruel com a mulher, e que minha angústia não tem fim.
56
Fui buscado, também. Buscou-me a sociedade, o anfitrião
E eu fui mendigo em meu salão e me desprezei e disse não.
57
E me mandaram a Oxford, e eu disse não, e vi jovens viscondes
Que temeram meu pudor, e eu disse não, e me persigno!
58
Tudo é magia! Lembras-te? o silêncio fantástico das noites
E a alma bêbada de emoção? e nenhum pouso.
59
Ah, que a vida não tem solução. Muitos o disseram em vão
E o direi em vão, e morrerei, e os que me virem, sorrirão.


Imagem Google

sábado, 28 de janeiro de 2012

PORQUE HOJE É SÁBADO...


A FESTA DE BABETTE

Rubem Alves

Um dos meus prazeres é passear pela feira. Vou para comprar. Olhos compradores são olhos caçadores: vão em busca de caça, coisas específicas para o almoço e a janta. Procuram. O que deve ser comprado está na listinha. Olhos caçadores não param sobre o que não está escrito nela. Mas não vou só para comprar. Alterno o olhar caçador com o olhar vagabundo. O olhar vagabundo não procura nada. Ele vai passeando sobre as coisas. O olhar vagabundo tem prazer nas coisas que não vão ser compradas e não vão ser comidas. O olhar caçador está a serviço da boca. Olham para a boca comer. Mas o olhar vagabundo, é ele que come. A gente fala: comer com os olhos. é verdade. Os olhos vagabundos são aqueles que comem o que vêem. E sentem prazer. A Adélia diz que Deus a castiga de vez em quando, tirando-lhe a poesia. Ela explica dizendo que fica sem poesia quando seus olhos, olhando para uma pedra, vêem uma pedra. Na feira é possível ir com olhos poéticos e com olhos não poéticos. Os olhos não poéticos vêem as coisas que serão comidas. Olham para as cebolas e pensam em molhos. Os olhos poéticos olham para as cebolas e pensam em outras coisas. Como o caso daquela paciente minha que, numa tarde igual a todas as outras, ao cortar uma cebola viu na cebola cortada coisas que nunca tinha visto. A cebola cortada lhe apareceu, repentinamente, como o vitral redondo de catedral. Pediu o meu auxílio. Pensou que estava ficando louca. Eu a tranqüilizei dizendo que o que ela pensava ser loucura nada mais era que um surto de poesia. Para confirmar o meu diagnóstico lembrei-lhe o poema de Pablo Neruda "A Cebola", em que ele fala dela como "rosa d'água com escamas de cristal". Depois de ler o poema do Neruda uma cebola nunca será a mesma coisa. Ando assim pela feira poetizando, vendo nas coisas que estão expostas nas bancas realidades assombrosas, incompreensíveis, maravilhosas. Pessoas há que, para terem experiências místicas, fazem longas peregrinações para lugares onde, segundo relatos de outros, algum anjo ou ser do outro mundo apareceu. Quando quero ter experiências místicas eu vou à feira. Cebolas, tomates, pimentões, uvas, caquis e bananas me assombram mais que anjos azuis e espíritos luminosos. Entidades encantadas. Seres de um outro mundo. Interrompem a mesmice do meu cotidiano.

Pimentões, brilhantes, lisos, vermelhos, amarelos e verdes. Ainda hei de decorar uma árvore de Natal com pimentões. Nabos brancos, redondos, outros obscenamente compridos. Lembro-me de uma crônica da querida e inspirada Hilda Hilst que escandalizou os delicados: ela ia pela feira poetizando eroticamente sobre nabos e pepinos. Escandalizou porque ela disse o que todo mundo pensa mas não tem coragem de dizer. Roxas berinjelas, cenouras amarelas, tomates redondos e vermelhos, morangas gomosas, salsinhas repicadas a tesourinha, cebolinhas, canudos ocos, bananas compridas e amarelas, caquis redondos e carnudos (sobre eles o Heládio Brito escreveu um poema tão gostoso quanto eles mesmos), mamões, úteros grávidos por dentro, laranjas alaranjadas (um gomo de laranja é um assombro, o suco guardado em milhares de garrafinhas transparentes), cocos duros e sisudos, pêssegos, perfume de jasmim do imperador, cachos de uvas, delicadas obras de arte, morangos vermelhos, frutinhas que se comem à beira do abismo... Minha caminhada me leva dos vegetais às carnes: lingüiças, costelas defumadas, carne de sol, galinhas, codornizes, bacalhau, peixes de todos os tipos, camarões, lagostas. Os vegetarianos estremecem. Compreendo, porque na alma eu também sou vegetariano. Fosse eu rei decretaria que no meu reino nenhum bicho seria morto para nosso prazer gastronômico. Mas rei não sou. Os bichos já foram mortos contra a minha vontade. Nada posso fazer para trazê-los de volta à vida. Assim, dou-lhes minha maior prova de amor: transformo-os em deleite culinário para que continuem a viver no meu corpo. De alguma maneira vivem em mim todas as coisas que comi. Sobre isso sabia muito bem o genial pintor Giuseppe Arcimboldo (1527-1593), que pintava os rostos das pessoas com os legumes, frutas e animais que se encontram nas bancas da feira. (Dê-se o prazer de ver as telas de Arcimboldo. Nas livrarias, coleção Taschen, mais ou menos quinze reais).

Meus pensamentos começam a teologar. Penso que Deus deve ter sido um artista brincalhão para inventar coisas tão incríveis para se comer. Penso mais: que ele foi gracioso. Deu-nos as coisas incompletas, cruas. Deixou-nos o prazer de inventar a culinária.

Comer é uma felicidade, se se tem fome. Todo mundo sabe disto. Até os ignorantes nenezinhos. Mas poucos são os que se dão conta de que felicidade maior que comer é cozinhar. Faz uns anos comecei a convidar alguns amigos para cozinharmos juntos, uma vez por semana. Eles chegavam lá pelas seis horas (acontecia na casa antiga onde hoje está o restaurante Dali). Cada noite um era o mestre cuca, escolhia o prato e dava as ordens. Os outros obedeciam alegremente. E aí começávamos a fazer as coisas comuns preliminares a cozinhar e comer: lavar, descascar, cortar — enquanto íamos ouvindo música, conversando, rindo, beliscando e bebericando. A comida ficava pronta lá pelas 11 da noite.

Ninguém tinha pressa. Não é por acaso que a palavra comer tenha sentido duplo. O prazer de comer, mesmo, não é muito demorado. Pode até ser muito rápido, como no McDonald's. O que é demorado são os prazeres preliminares, arrastados — quanto mais demora maior é a fome, maior a alegria no gozo final. Bom seria se cozinha e sala de comer fossem integradas — os arquitetos que cuidem disso — para que os que vão comer pudessem participar também dos prazeres do cozinhar. Sábios são os japoneses que descobriram um jeito de pôr a cozinha em cima da mesa onde se come, de modo que cozinhar e comer ficam sendo uma mesma coisa. Pois é precisamente isto que é o sukiyaki, que fica mais gostoso se se usa kimono de samurai.

Quem pensa que a comida só faz matar a fome está redondamente enganado. Comer é muito perigoso. Porque quem cozinha é parente próximo das bruxas e dos magos. Cozinhar é feitiçaria, alquimia. E comer é ser enfeitiçado. Sabia disso Babette, artista que conhecia os segredos de produzir alegria pela comida. Ela sabia que, depois de comer, as pessoas não permanecem as mesmas. Coisas mágicas acontecem. E desconfiavam disso os endurecidos moradores daquela aldeola, que tinham medo de comer do banquete que Babette lhes preparara. Achavam que ela era uma bruxa e que o banquete era um ritual de feitiçaria. No que eles estavam certos. Que era feitiçaria, era mesmo. Só que não do tipo que eles imaginavam. Achavam que Babette iria por suas almas a perder. Não iriam para o céu. De fato, a feitiçaria aconteceu: sopa de tartaruga, cailles au sarcophage, vinhos maravilhosos, o prazer amaciando os sentimentos e pensamentos, as durezas e rugas do corpo sendo alisadas pelo paladar, as máscaras caindo, os rostos endurecidos ficando bonitos pelo riso, in vino veritas... Está tudo no filme A Festa de Babette. Terminado o banquete, já na rua, eles se dão as mãos numa grande roda e cantam como crianças... Perceberam, de repente, que o céu não se encontra depois que se morre. Ele acontece em raros momentos de magia e encantamento, quando a máscara-armadura que cobre o nosso rosto cai e nos tornamos crianças de novo. Bom seria se a magia da Festa de Babette pudesse ser repetida...

O texto acima foi publicado no jornal "Correio Popular", Campinas(SP), com o qual o educador e escritor colabora.


sábado, 21 de janeiro de 2012

30 DIAS SEM MEU PAI...

De azul, a sua cor preferida – 20/03/2011
Hoje faz 30 dias que meu pai partiu para sua viagem final. Após 4 meses de agravamento das suas doenças, chegou a sua hora em 21/12/2011.


A vida inteira ele teve toda a assistência que eu pude dar. Desde coisas simples, até as mais específicas para aliviar os efeitos das suas doenças e das suas limitações, lhe foram proporcionadas por mim, com muito amor, carinho, prazer e boa vontade. E Deus me concedeu o privilégio de ter sido a última pessoa a vê-lo com vida. Às 3 horas da manhã eu lhe dei água, brinquei com ele e beijei-o muito. Quando acordei de um cochilo na cadeira às 4:40, ele havia partido...

Meu pai também passeou e se divertiu muito, pois sempre viajávamos nas férias e nos longos feriados, como a Semana Santa. O destino principal era João Pessoa, onde mora sua família e porque eu temia que ele morresse, já que estava envelhecendo, sem ver as pessoas queridas. Esse também foi um dos motivos que me levaram a voltar para João Pessoa, depois de sair daqui bebê e voltar após 53 anos.


Quando conheceu a bisneta – 13/08/2011
Viajávamos também para outros lugares, praias, principalmente, e em 2005 passamos a semana inteira do carnaval em SP. De lá fomos até Aparecida, São José dos Campos e Campos do Jordão. Íamos de metrô para o Terminal Rodoviário do Tietê e lá pegávamos um ônibus para essas cidades. Voltávamos no fim do dia ou então no dia seguinte, como quando fomos a Campos do Jordão. Ele ainda aguentava andar a pé e viajar de ônibus. Estava muito bem naquela época.

E ele nunca me pediu para voltar para João Pessoa, até porque nossa vida estava toda organizada no Recife (trabalho, principalmente), mas eu sabia que esse era um desejo dele.

Quando em 2007 comecei a procurar moradia aqui, escolhi como local o bairro de Jaguaribe, pois é onde mora boa parte da família dele e da minha mãe e todos pertinho de nós. Além disso, Jaguaribe foi o bairro onde ele e minha mãe viveram (ele, depois que veio do Pilar, sua terra natal, morar com o irmão e as sobrinhas) até casarem e mudarem para Curitiba e depois para o Recife.

Uma das últimas fotos - 05/11/2011
No início, quando ele ainda podia andar muito, saía para caminhar de manhã cedo e ia longe, revendo os lugares que conhecia como a palma da mão. Ao andar de carro pelo bairro, ficava dizendo para mim: “ali morou fulano, ali sicrano, essa rua tinha outro nome” e coisas desse tipo. Era uma viagem no tempo e na sua memória, que era ótima.

Eu ainda estou muito triste com a sua partida e não há dia que eu não chore e que não lembre dele, mas sei que isso vai melhorar com o tempo. Nessas ocasiões o que me ajuda é ter a certeza de que ele teve assistência, amor, carinho e o melhor que as nossas condições financeiras puderam oferecer, principalmente nos últimos anos de vida. E mereceu tudo isso, pois foi um ótimo pai, marido, tio, filho, irmão, cunhado, genro e amigo.

Ele adorava conversar e fazia isso onde chegava, até com estranhos. E quando não gostava das pessoas, não tinha jeito. Não as destratava, mas também não fingia gostar só para agradar. Esse era seu Ademar Vieira.

Saudades eternas, meu querido pai...

Fátima Vieira

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

SAUDADES DE ELIS...


Imagem: ©Humberto Ruchinsque – Retrato de Elis Regina – Pintura / Óleo sobre tela - Fonte: http://www.verdestrigos.org/wordpress/?p=1930

Há trinta anos morria Elis Regina...

Como nas grandes catástrofes e tragédias que, de tão marcantes, a gente lembra exatamente de onde estava no momento em que elas aconteceram, eu lembro de onde estava quando ouvi a notícia da morte de Elis: no rádio de um equipamento de som da Lojas Moellmann (hoje Lojas Havan, segundo informa a Wikipédia) em Blumenau, Santa Catarina, numa excursão que eu fazia de SP ao RS.

E quando eu ia a São Paulo frequentava o bar Boca da Noite, famoso e badalado na época, que ficava na Rua Santo Antonio, no Bixiga. Na volta da excursão fomos lá e uma frequentadora do bar, cantora da noite, interpretou músicas cantadas por Elis numa homenagem comovente, que deixou a todos emocionados.

É assim que quero lembrar sempre dela, com emoção e admiração pela voz e interpretação inigualáveis...

VIVA ELIS!!!

Fátima Vieira



Caricatura: Cleriston
Fonte: http://cleristonribeiro.blogspot.com/search?q=elis+regina http://cleristonribeiro.blogspot.com/


CASA NO CAMPO

Elis Regina

Composição: Zé Rodrix e Tavito

Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais

Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais

Eu quero carneiros e cabras pastando solenes
No meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
Meu filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
A pimenta e o sal

Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros
E nada mais



domingo, 15 de janeiro de 2012

PRESENTE DE DOMINGO...


Esta foto deve ser de 1986

Hoje, 15 de janeiro de 2012, minha mãe faria 89 anos. Infelizmente ela morreu em 1990, aos 67 anos.

No ano passado escrevi uma crônica sobre ela, mas hoje, passados 25 dias da morte do meu pai, quando sinto um vazio e uma dor enormes no peito, não consigo escrever nada. Mesmo assim não deixaria passar em branco esta data.

Meus pais foram os grandes amores da minha vida. Convivi com eles a minha vida toda, pois nunca saí de casa para morar sozinha ou por casamento (continuo solteira e vou morrer assim).

O meu Presente de Domingo de hoje é em homenagem a ela. Procurei um poema na internet e encontrei o que segue abaixo, singelo, mas que expressa o meu amor pela minha mãe.

Fátima Vieira

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MAMÃE

Ana Luísa Melgaço Almeida

Queria tentar explicar
como é meu amor por ti.
Acontece que meras palavras
não dizem o que eu senti.

Talvez seja como cores
que alegram cada segundo.
Talvez sejam como flores
que encantam a todo o mundo.

Às vezes, é história
Texto, poema ou poesia;
às vezes é como o sol
que ilumina os meus dias.

Pode ser um doce
que faz a gente sorrir.
Pode ser um sonho
que alegra o meu dormir.

Como dizer uma coisa
Que não tem explicação?
A certeza é que você mora
dentro do meu coração.





sábado, 14 de janeiro de 2012

PORQUE HOJE É SÁBADO...


SAMBA DE BREQUE

Vinicius de Moraes

Esta história é verdade.
Um tio meu vinha subindo a rua Lopes Quintas, na Gávea - era noite - quando ouviu sons de cavaquinho provenientes de um dos muitos casebres que minha avó viúva permite nos seus terrenos. O cavaco cavucava em cima de um samba de breque e esse meu tio, compositor ele próprio, resolveu dar uma estirada até a casa, que era a de um conhecido seu, companheiro de música, uma rapaz operário com mulher e uma penca de filhos. Tinha toda a intimidade com a família e às vezes ficava por lá horas inteiras, com o amigo, cada qual palhetando no seu cavaquinho, puxando música madrugada adentro.
Nessa noite o ambiente era diverso. À luz mortiça da sala meu tio viu a família dolorosamente reunida em torno de uma pequena mesa mortuária, sobre a qual repousava o corpo de um "anjinho". Era o caçula da casa que tinha morrido, e meu tio, parado à porta, não teve outro jeito senão entrar, dar as condolências de praxe e reunir-se ao velório. O ambiente era de dor discreta - tantos filhos! - de modo que ao fim de poucos minutos, não se sentindo por demais necessário, meu tio resolveu partir. Tocou no braço da mulher e fez-lhe um sinal. Mas esta, saindo da sua perplexidade, pediu-lhe que entrasse para ver o amigo.
Foi encontrá-lo num miserável aposento interior, sentado num catre, o cavaquinho na mão.
- Pois é, velhinho. Veja só... O meu caçula...
Meu tio bateu-lhe no ombro, consolando-o. A presença amiga trouxe para o pai uma pequena e doce crise de lágrimas de que ele muito se desculpou com ar machão:
- Poxa, seu! Até pareço mulher! Não repara, hein companheiro...
Meu tio, com ar mais machão ainda, fez qual-que-bobagem, essa coisa. Depois o rapaz disse:
- Tenho um negocinho para te mostrar...
E teve um gesto vago, apontando a sala onde estava o filho morto, como a significar qualquer coisa que meu tio não compreendeu bem.
- Manda lá,
Conta meu tio que, depois de uma introdução dentro das regras, o rapaz entrou com um samba de breque que, cantando em voz respeitosamente baixa e ainda úmida de choro, dizia mais ou menos o seguinte :

Tava feliz
Tinha vindo do trabalho
E ainda tinha tomado
Uma privação de sentidos no boteco do lado
Que bom que estava o carteado...
O dia ganho
E mais um extra pra família
Resolvi ir para a casa
E gozar
A paz do lar -
Não há maior maravilha!
Mal abro a porta
Dou com uma mesa na sala
A minha mulher sem fala
E no ambiente flores mil
E sobre a mesa
Todo vestido de anjinho
O Manduca meu filhinho
Tinha esticado o pernil.

Diz meu tio que, entre horrorizado e comovido com aquela ingênua e macabra celebração do filho morto, ouviu o amigo, a pipocar lágrimas dos olhos fixos no vácuo, rasgar o breque do samba em palhetadas duras:

- O meu filhinho
Já durinho
Geladinho!


Imagem Google


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

VENDO MAIS...



Cadeira de rodas por R$ 200,00, marca Jaguaribe, para pessoas com até 80kg, comprada há um ano e meio ao preço de R$ 250,00. Hoje ela custa R$ 299,00 na Ortopar e Hosmed. Comprei para levar meu pai a algum lugar que precisasse e não houvesse uma disponível, pois ele não agüentava andar muito por causa da coluna..

Ele só parou de andar de vez em setembro/2011 e a usávamos exclusivamente para trazê-lo do quarto para a sala, após o banho, onde ele ficava sentado/deitado na cadeira do papai.

Ele era portador de câncer da próstata, mieloma múltiplo, problemas na coluna, hérnia de hiato, refluxo e nenhuma delas contagiosa.




Cadeira de banho por R$ 100,00, marca Jaguaribe, para pessoas com até 80kg, comprada em 24/09/2011 por R$ 165,00 na Hosmed. Hoje ela custa R$ 167,00 na Hosmed e R$ 170,00 na Ortopar.




Aparelhos auditivos, marca Phonak, modelo Extra 411 AZ que, dependendo da perda auditiva (a de papai era severa, principalmente no ouvido esquerdo) serve para qualquer pessoa. É só reprogramar os aparelhos, o que é feito por computador.

Foram comprados em 21/03/2011 e ele usou-os até o dia 24/09/2011, quando foi para o hospital pela primeira vez. Só usava das 17h às 22h, quando terminava o Jornal Nacional, porque não gostava deles, como muitos idosos não gostam

Custaram R$ 2.400,00 numa promoção da Phonak e a GEAP me ressarciu R$ 1.200,00, por isso estou vendendo só por R$ 600,00. Tenho a Nota Fiscal e o recibo.

O Andador foi vendido para uma pessoa do Recife.


ESCOLHA SUA CARONA...



domingo, 8 de janeiro de 2012

PRESENTE DE DOMINGO...


TEM DIAS

José Magalhães

Tem dias em que abafo
Preso nestas paredes
De pedra

Dias compridos onde vagueio
Entre palavras
E deambulo de quarto em quarto
De sala em sala
Abafado entre muitas sedes

Tem dias em que me sinto assim
Cansado e farto
E preso
Fechado numa mala
Embrumado entre as paredes

Já o dia chegou ao fim
E o meu pensamento alarde
Voeja por entre letras certas
Preso nas folhas
Dos livros lidos na sobretarde

É já noite
E não se passou nada
Nunca se passa nada
Tenho fogo que entra em mim
Que queima, magoa
E não se apaga
Não tenho onde me acoite
À minha volta tudo arde
E preciso de pousada

Amanheço muito cedo
Nos dias em que me maço
E me encho de medo
De me entregar ao cansaço