A ONÇA FICOU NUA
Leonardo Dantas Silva
Mister Holder foi, durante a minha infância, o tipo do inglês tradicional, dos que ainda perambulavam pelas ruas do Recife naquela época. Trajando terno de linho branco, obcecado por corridas de cavalo, era famoso por suas histórias tragicômicas e de excessivo suspense.
No Bar do Heitor, em João Alfredo, num sábado em que se encontrava o meu pai, Tonico Silva, saboreando sua cerveja, enquanto os rapazes jogavam sinuca e bilhar, eis que o cidadão se põe a contar das suas estórias, para o delírio dos presentes.
Com um ar austero, britanicamente metódico, a fazer as pontuações e pausas como se estivesse em pleno palco, o cidadão de cabelos brancos contava suas peripécias como goleiro do “English Team” e do beijo que recebeu da Rainha da Inglaterra, após uma Copa do Mundo em que ele houvera salvo sua pátria.
Como na roda havia alguns pescadores e uns poucos caçadores (o Heitor era um aficionado por caçadas), o “Sir” resolveu contar uma viagem por ele feita ao Amazonas e uma outra expedição ao Brasil-Central, em que se perdera na floresta.
Contava ele que, sem mais munição e apenas com um terçado (facão), eis que lhe surge uma onça-pintada – a mais perigosa da espécie, tida como o “tigre americano” – pulando-lhe em cima com toda a agilidade de seus membros e obrigando-o a fugir para uma cabana (tipo palafita), situada na margem de um caudaloso rio. Como a construção da habitação, com a varanda sacando por sobre os caibros de sustentação, impedia a escalada do animal, ele se pôs a salvo.
A onça, porém, ficou a espreitar a sua presa que poderia servir para o seu regalo, durante dias e noites.
Sitiado, amedrontado e faminto, o nosso herói lá ficou por quase uma eternidade, sem tirar os olhos do felino ameaçador.
Remexendo na cabana, encontrou um martelo e alguns pregos.
Como que tomado do estalo de Vieira, eis que o nosso herói arma o seu plano e logo o põe em ação.
Com o passar dos dias, a onça mostrou-se sonolenta. Cansada, eis que durante a tarde resolveu tirar uma soneca. Assim, caiu em sono profundo, com os seus roncos fazendo-se ouvir por toda a floresta.
Mais do que depressa – contava – peguei o martelo e um prego (dos grandes), desci da cabana e, pé ante pé, rumei para o tronco onde estava dormindo a enorme fera.
Lá chegando, notei que a sua cauda estava repousando sobre o enorme tronco. Numa coordenação motora sui generis, coordenando na mão esquerda o prego e na direita o martelo, de um só golpe, com uma única martelada, cravei o rabo da bicha no tronco da árvore…
O sono era tão profundo que a onça não acordou…
Foi necessário que eu, cutucando a fera com uma vara, gritasse: Xô, onça!
“O susto foi tão grande que a bicha, ao saltar, deixou toda sua pele pendurada pelo rabo, na árvore, e partiu nuinha, de floresta adentro…”
Diante de tamanha seriedade, a platéia permaneceu estática, esperando a próxima história daquele “inglês” aventureiro.
Imagem Google
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